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'Temos meninas boas, mas nada que se assemelhe a Rebeca', diz Georgette Vidor

Em depoimento, ex-treinadora da seleção relembra dificuldades e glórias da ginástica no Brasil

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São Paulo

Georgette Vidor, 63, dedicou sua vida praticamente inteira à ginástica brasileira. Treinadora por 25 anos do Flamengo, clube de ponta na modalidade, e da seleção por 15, ela conta abaixo o que sentiu ao ver Rebeca Andrade, 22, ganhar a prata nos Jogos Olímpicos do Japão, a primeira medalha olímpica da ginástica feminina brasileira. Além disso, relembra a trajetória do esporte no país.

​Olha, dediquei a minha vida inteira para tentar fazer uma medalhista olímpica e não tive a capacidade. Eu fui capaz de muita coisa quando a ginástica não tinha nada, e a gente era também médica e psicóloga, então às vezes fico pensando se conseguiria com a estrutura de hoje, porque a gente viu que é possível quando se tem estrutura, apesar de só estrutura e treinamento também não ser o suficiente. É necessário uma qualidade excepcional, que a Rebeca tem.

Por isso, para mim, é um momento de sonho vê-la triunfar. Uma realização mesmo. Temos muitas meninas boas na ginástica, mas nada que se assemelhe a ela por enquanto.

Foi tudo muito difícil para ela. Teve as lesões no joelho, mas ela nunca desistiu. Foi muito sacrifício, e ela foi a pessoa que mais encorajou o Xico [Francisco Porah Neto, técnico de Rebeca] a acreditar. Aí o Brasil não classifica a equipe para as Olimpíadas, vem a pandemia...

Ela só conseguiu a vaga para Tóquio nos Jogos Pan-Americanos de Ginástica do Rio, em junho. Todo esse sacrifício valeu a pena. É o momento dela!

Na classificatória, eu liguei para ela chorando para comemorarmos a vaga na final. Ela até reclamou do desempenho na paralela, que é o aparelho favorito dela, para mim. Disse "como pude errar?". E olha que nem foi de fato um erro. Só não ligou um elemento com o outro, e por isso teve um desconto de nota.

Eu falei com ela depois da medalha também, porque o time de futebol do Flamengo fez uma homenagem a ela no jogo de ontem, e eu mandei a foto. Ela agradeceu muito. Mas nesse momento não quero perturbá-la muito. É só alguma coisinha no WhatsApp mesmo, mas nada técnico.

A Rebeca é tão superior como um todo que, na final, ela pôs o pezinho para fora do tablado duas vezes e mesmo assim ficou com a prata. Se não fosse isso, seria ouro. Ela foi muito bem nas apresentações. Juntou técnica com controle emocional.

A medalha olímpica coroa uma trajetória grande, representa muita gente. Eu fui por 25 anos treinadora do Flamengo. Desses, durante 15 eu fui também a da seleção. A gente sempre sonhou. A luta sempre foi para a ginástica brasileira estar entre as melhores do mundo. Antes, era considerada fraca. Havia talentos individuais, mas não um projeto. A dificuldade era enorme, as condições eram precárias. Viajávamos sem médicos, ficávamos em alojamentos, descobríamos que íamos para o Mundial quase na véspera.

Mas fomos caminhando, foram surgindo talentos. Luisa [Ribeiro], Soraya [Carvalho], Daniele [Hypólito], e fomos conseguindo resultados. Luisa foi ouro nos Jogos Pan-Americanos de Havana-1991, Soraya foi à primeira final individual do Brasil no Mundial do Japão em 1995. Até que, em 2001, a Daniele conseguiu ganhar a primeira medalha em mundiais, uma prata.

O mundo começou a olhar para nós. Aí eu, então técnica, sofri um acidente e fiquei paraplégica. Isso abalou a ginástica no Brasil. Por outro lado, já havia muitas meninas surgindo, e a federação e o Comitê Olímpico investiram mais no esporte. Trouxeram técnicos ucranianos que nos ajudaram muito, e tínhamos um projeto: classificar uma equipe feminina para uma edição das Olimpíadas. Surgiu também a Daiane [dos Santos], que tinha um potencial imenso, era uma fora da curva no solo, a Jade [Barbosa] já vinha despontando também.

Aí a Daiane tinha muita expectativa, mas não conseguiu medalha em Pequim-2008. No ano seguinte eu assumi como coordenadora e peguei uma seleção muito lesionada, com lesões graves mesmo, que precisava se recuperar para Londres-2012. Só Deus sabe o que a gente fez para conseguir classificar a equipe. Depois trouxemos o [técnico russo] Alexandrov para ajudar na preparação para as Olimpíadas em casa, no Rio, e já havia também uma renovação de atletas.

Aí entram a Rebeca e a Flávia [Saraiva]. A Rebeca chegou ao Flamengo com 11 anos, e todo mundo já sabia o que ela poderia fazer. Era um fenômeno. Mas no Rio, ela mesmo fala, ela ainda não tinha maturidade para o momento da decisão [tinha então 17 anos]. Agora é diferente. E ainda temos expectativas nestes Jogos, com ela no salto e no solo e também com a Flávia na trave.

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