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Descrição de chapéu Dias Melhores

Bailarina negra prova que dança muda vidas no Complexo do Alemão

Tuany Nascimento, fundadora do Na Ponta dos Pés, foi uma das finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Soluções Comunitárias

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Rio de Janeiro

Ninguém sabia de quem era o drone que dançava no céu da favela. O sol caía no Morro do Adeus, ponto mais alto do Complexo do Alemão, no Rio. "Ih, vão derrubar."

Foi a senha para a reportagem guardar os bloquinhos e descer na ponta dos pés. Não sem antes topar com três jovens, armas em mãos, olhos no céu. O drone, sabe-se lá se da polícia ou da gangue rival, ia ser derrubado.

É nesse território, dominado pelo Comando Vermelho, que cresceu Tuany Nascimento, irmã mais velha de seis.

Tuany Nascimento dá aulas de balé para meninas e meninos do Morro do Adeus, dentro do Complexo do Alemão (RJ) - Renato Stockler/Folhapress

"Eu dormia no emprego e Tuany ficava com eles", conta a mãe, Ana Paula Tomaz, 49, babá de duas crianças no Jardim Botânico nos anos 1990. "Era um dinheiro bom, mas sofrido. Eu ainda amamentava."

O chorinho ao telefone numa quinta-feira encerrou o drama. "A lágrima desceu quando ouvi ‘Mãe, tô com saudade’. Pô, eu cuidava de filhos dos outros e os meus iam ficar sozinhos até sábado?"

Na casa onde moravam oito —as crianças, Ana Paula e Genilson de Oliveira, padrasto de Tuany— não teve privilégio, mas nunca faltou nada. Nem o papo reto com os filhos. "Vocês querem o que é fácil? Tem um preço. É morte ou cadeia, então vamos trabalhar, meus filhos."

Aos 5 anos, a tímida e esguia Tuany pôs os pés na Vila Olímpica da Maré. Outro território, outra facção. Foi na garupa da mãe, de bicicleta. Ali conheceu ponteira e saia de filó. Deu os primeiros saltos nas aulas de balé e ginástica rítmica, oferecidas de graça.

Tuany Nascimento ao lado da mãe, Ana Paula, que incentivou balé quando criança, e demais que familiares que participam do projeto - Renato Stockler/Folhapress

Chegou a frequentar escola na Gávea. "Pensavam que eu era babá dela", diz Ana Paula, que costurava o figurino.

Experiência que, segundo a mãe, deu força para que Tuany não tivesse vergonha de ocupar lugares fora do Alemão. E aqui a protagonista entra em cena. Agora com 29 anos, cachos platinados, colã rosa e tênis.

"A barreira para o balé clássico tá na cabeça de quem é de fora do território. Porque dentro da favela essa barreira não existe", diz Tuany.

A postura firme duela com o sorriso fácil, em um jogo cênico que lembra o clássico "O Lago dos Cisnes".

"A dança me ajuda a falar com o corpo coisas que não seria capaz de falar com a boca." Tuany criou o único projeto social do Morro do Adeus: Na Ponta dos Pés, em 2012. Trajetória distribuída em dois atos.

O primeiro na quadra esportiva, onde, sem pretensão, deu aulas de dança para crianças, na linha de tiro entre policiais e traficantes. Sem espelho nem barra. Dividia-se entre o balé, a formação em educação física e os bicos. Foi animadora de festa, DJ, garçonete, dançou passinho nos bailes. "Foi na expertise de favela."

Na época, fez testes em companhias de dança. Não passou. "Tinha falhas na técnica, mas entendi que não tinha o perfil quando olhei para o palco e só vi meninas brancas.

Pensava: "Brincar de bailarina não é para mim. É difícil não ter o perfil, ir para o ensaio no meio do tiroteio". E dizia para si mesma: "Toma vergonha na cara, você é irmã mais velha, vai trabalhar". Parou de dançar.

Nas redes sociais, ouviu de um homem que estava iludindo crianças do Alemão. Se nem ela conseguiu, como ia tornar as meninas bailarinas? "Em um lugar bem escroto, ele dizia a verdade. Eu precisava conquistar algo com a arte e provar que era possível."

Em 2019, passou no teste para turnê na Grécia. Ficou dois meses. Depois, Itália. E tudo mudou. "A Tuany do Alemão está fora do Brasil, dá para chegar. Eu era espelho real."

Discurso traduzido por Paloma Soares, 15, aluna do projeto há sete anos. "Diziam que nunca que uma negra favelada ia ser bailarina, mas Tuany fala que a gente pode. Quero viver da dança, me traz paz."

ESCOLHA DO LEITOR

O segundo ato do Na Ponta dos Pés veio com a conquista da sede própria, em terreno oferecido pela mãe. Conseguiram doações em uma vaquinha fora do país para subir o predinho. Fizeram mutirão.

A chuva veio. Desabou a laje. "Foi tudo caindo. Nada para a gente é fácil", diz Ana Paula, que conteve o desespero geral. Dentro dos blocos de concreto, as meninas depositaram sonhos em bilhetinhos.

O projeto atende mensalmente 285 crianças e jovens, entre 3 e 26 anos. Levados em sua maioria pelas mães, jovens solteiras que escutam por aí que Tuany e suas irmãs botam as crianças na linha.

Para frequentar as aulas de balé, teatro, kickboxing ou desenho, os pequenos precisam estar com a matrícula em dia na escola. Os mais velhos contam há um ano com qualificação profissional. Tem curso de fotografia, manicure, barbeiro, maquiagem e inglês. De tempos em tempos, as turmas se apresentam em espaços culturais fora do Alemão.

Crianças participam de aula de balé clássico e enxergam no Na Ponta dos Pés oportunidade de se profissionalizar - Renato Stockler/Folhapress

Na pandemia, Na Ponta dos Pés apoiou a comunidade com cestas básicas. E alcançou evasão escolar zero entre os atendidos. Tem biblioteca e reforço para quem tira nota baixa.

A família de Tuany é o coração do projeto. "Minhas irmãs trabalham aqui, a mais nova é voluntária, tem irmão aluno, marido é financeiro, todos compram minha loucura."

Desde 2020, Na Ponta dos Pés faz parte da rede acelerada da Gerando Falcões. A ONG destina recursos mensalmente e oferece mentoria para a gestão. Dinheiro e conhecimento que fazem a diferença em um território esquecido por governos e empresas.

"Tuany é uma líder extraordinária", afirma Ellen Pimentel, diretora da rede de ONGs da Falcões. "Ela tem convicção de que jovens do morro podem ter um futuro diferente do esperado. Nosso papel é colar junto no sonho dela."

Tuany diz que acalenta dois desejos, ao confidenciar que espera um bebê. "Expandir Na Ponta dos Pés para outras favelas e ser uma companhia artística que abra portas para bailarinos, iluminadores, sonoplastas, diretores."

Só no Complexo do Alemão são 13 favelas. Vistas do alto, lajes de cimento e barracos equilibrados nas encostas, roupas e gatos ao sol. Tudo sob a vigia silenciosa do fuzil.

"Minha mãe dizia: Imagina o pessoal vendo cartaz de aula de balé lá do teleférico?". O teleférico continua parado. Mas o cartaz está lá.

Projeto em números

- 5.000 pessoas impactadas pela iniciativa
- 285 crianças e jovens entre 3 e 26 anos atendidos com aulas de balé clássico, teatro e luta
- 0% de evasão escolar entre alunos após a crise sanitária
- 1.000 famílias do Morro do Adeus (RJ) beneficiadas com auxílio alimentar

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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