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Preferência política não deve ser questionada, dizem projetos que doam alimentos

Entidades criticam bolsonarista que negou marmita a eleitora de Lula e afirmam que fome não pode ser moeda eleitoral

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São Paulo

Entidades que atuam na distribuição de alimentos criticaram a atitude mostrada em vídeo que circula pelas redes sociais, em que um bolsonarista informa a uma mulher que ela não receberia mais doações de alimentos por declarar voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No material, postado primeiro pelo perfil Jornalistas Livres e que viralizou no último fim de semana, a diarista Ilza Ramos Rodrigues, 52, é humilhada por um eleitor de Jair Bolsonaro (PL), que pergunta em quem ela votará para presidente na próxima eleição.

Após ouvir que a senhora votará em Lula, ele diz que aquela seria a última marmita que ela ganharia. "A senhora peça ao Lula agora", disse o empresário Cassio Cenali, autor do vídeo.

"Ela é Lula. A partir de hoje não tem mais marmita", disse Cenali, enquanto gravava a cena. Após a repercussão negativa, Cenali fez um outro vídeo, no qual se diz arrependido pelo vídeo, mas sem se desculpar diretamente com Ilza.

Os projetos que se dedicam à distribuição de alimentos lamentaram o episódio e reforçaram os cuidados que são tomados para evitar vincular as doações de comida ao discurso eleitoral.

Segundo, Alanna Lima dos Santos, assistente de coordenação do Sopão com Carinho, os colaboradores do projeto são orientados a não fazer qualquer tipo de diferenciação entre as pessoas que buscam alimentos.

"Não fazemos qualquer tipo de distinção, se a pessoa pede alimentos, ninguém faz perguntas sobre a vida dela ou algum outro tipo de questionamento", conta Santos.

Distribuição de sopa pela ONG Sopão com Carinho - Danilo Verpa - 10.mai.22/Folhapress

"No cotidiano do projeto, a gente procura não se vincular de forma alguma a políticos. Eu mesma tenho minhas convicções, mas elas nunca estão em pauta. A preocupação é alimentar as pessoas. Se algum político quiser doar, não recusamos, mas não vinculamos a nossa imagem ao político", complementa.

Criada durante a pandemia, a iniciativa distribui entre 200 e 250 refeições por dia no bairro do Bom Retiro, região central de São Paulo, e atende de pessoas em situação de rua a trabalhadores da região, que viram seu poder de compra ser corroído pela inflação dos alimentos.

A ativista também reforça que usar a fome com objetivos políticos é uma atitude grave. "A fome é uma situação que expõe o outro à extrema vulnerabilidade e atrapalha todas as áreas da vida. Matar a fome vira a sua única preocupação. A meta de alguém ligado à política deveria ser resolver a questão da fome de forma ampla, não se aproveitar disso para conseguir votos."

Na ONG Banco de Alimentos, fundada há quase 25 anos, a orientação é seguir padrões sociais no sentido de dar comida a quem tem fome, conta a presidente e fundadora, Luciana Quintão. "Não tem preconceito em relação à ideologia política, religião ou cor. A gente trata os seres humanos com respeito", diz.

Sobre o episódio com o bolsonarista, ela avalia que é preciso educar pessoas e instituições quanto à importância de combater a fome. "Vi o vídeo [do empresário] se desculpando, há equívocos de todos os lados. Esse, por acaso era bolsonarista, mas há erros de outros partidos também. Precisamos educar mais o nosso povo, mostrar que a fome não precisava existir nesse nível e é uma questão de gestão pública —não apenas desse governo, mas de outros também", diz Quintão.

Segundo a ONG, ao longo do mês de agosto, mais de 41 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social foram beneficiadas pela entrega de 123 toneladas de alimentos. Foram distribuídas 4.127 cestas básicas para famílias em situação de insegurança alimentar. Além disso, 67.298 quilos de comida foram entregues a parceiros cadastrados.

No vídeo em que se desculpou, Cenali negou que as marmitas eram ligadas à campanha de reeleição de Bolsonaro e disse que já faz doações há mais de dois anos. "É um trabalho que faço com os meus recursos, não tenho apoio político [...] só quero a caridade."

Recentemente, Bolsonaro foi alvo de repúdio ao dar entrevistas questionando dados que apontam o aumento da fome no país.

"Fome para valer, não existe, como da forma que é falado. O que que é extrema pobreza? Você ganhar US$ 1,9 por dia, isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Quem por ventura está no mapa da fome pode se cadastrar e vai receber", disse o presidente a um podcast.

O presidente rebatia um estudo divulgado há pouco mais de dois meses apontando que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, segundo a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Penssan —patamar semelhante ao registrado há três décadas.

Em julho, a ONU (Organização das Nações Unidas) também divulgou um relatório apontando que, no Brasil, 61,3 milhões (cerca de 3 em cada 10 habitantes) convivem com algum tipo de insegurança alimentar, sendo que 15,4 milhões se encontravam em insegurança, passando fome, no período de 2019 e 2021. A diferença nos números se dá pela metodologia das pesquisas.

Em busca de um novo mandato, o presidente tem se desdobrado para conseguir mais apoio entre os eleitores mais pobres. Em uma iniciativa tomada poucos meses antes da eleição, o governo aumentou para R$ 600 o benefício do Auxílio Brasil, que está previsto para seguir nesse valor até dezembro.

O Auxílio Brasil temporário de R$ 600, no entanto, é visto como abaixo do necessário pela maior parte da população. Segundo pesquisa Datafolha, 56% dos eleitores afirmam que o valor é insuficiente.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a inflação medida pelo IPCA em 12 meses, em termos gerais, desacelerou para 8,73% até agosto, só que 7 das 10 maiores altas até o mês passado vieram de alimentos e bebidas.

A cebola foi o item que mais subiu em 12 meses, com alta de 91,21%, seguida por mamão (81,83%) e melão (79,34%). Também se destacam na lista o leite longa vida (60,81%) e o café moído (46,34%).

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