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Presas e egressas encontram dignidade e renda na passarela

Associação Passarela Alternativa oferece formação, emprego e apoio psicológico e lida com recursos escassos para manter projeto

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São Paulo

Adriana Cássia é mãe de quatro filhos homens. Gabriel tinha cinco meses e mamava no peito quando ela foi presa na Penitenciária Feminina da Capital, no antigo complexo do Carandiru, em São Paulo.

Gabriel foi reencontrar o colo da mãe, em liberdade, quatro anos depois. Era 2013. Sem apoio do marido, que ajudou "três vezes em dez anos", conseguiu emprego em uma chácara no interior para cuidar da prole.

"Ganhei uma bicama para as crianças, eu esticava uma coberta e dormia no chão. Não tinha fogão nem nada, usava da vizinha, mas com esse dinheirinho e o da cocada fui comprando as coisas, tudo novo, viu?", conta Adriana, 39.

Adriana Cássia cumpriu pena na Penitenciária Feminina da Capital e buscou se reinserir para cuidar dos quatro filhos - Divulgação/Passarela Alternativa

"Eu não contava que era ex-presidiária porque tinha receio, então trabalhava sempre como autônoma."

A mudança veio em 2021. Foi contratada pela Passarela Alternativa, associação que oferece formação, renda e apoio psicológico a mulheres presas e egressas.

Todo dia Adriana vem do bairro do Bom Retiro, onde mora com Lorenzo, 3, para uma sala alugada na Consolação. Lá, junto a outras quatro mulheres egressas, costura e estampa tecidos que são vendidos pela internet.

"Eu era difícil de trabalhar com muita gente, são coisas que a gente pega da penitenciária", diz ela. "Fechei meu coração, era constrangida e ressentida."

Durante as aulas de corte e costura, em 2021, Adriana foi se abrindo. Os primeiros 45 minutos das aulas são dedicados à superação de fragilidades emocionais das alunas, entre elas vítimas de violência doméstica e da fome e do frio das ruas.

Atividades com mulheres dentro de unidades prisionais são apoiadas pela Secretaria de Administração Penitenciária - Divulgação/Passarela Alternativa

"A moda é uma isca, nossa atividade principal é resgatar a dignidade e transformar a vida dessas mulheres", explica Karen Brandoles, 34, fundadora da Passarela Alternativa.

De família de classe média alta e "berço cristão", Karen fez da sua profissão um propósito de vida. Deixou emprego bom e salário alto na indústria da moda para dar aulas e criar desfiles em penitenciárias.

Visitou um presídio pela primeira vez em 2011, ao trabalhar em uma ONG. Achou tudo muito bege e cinza. "Senti falta de ser mulher lá".

Em 2012, com tecidos doados, desenhou uma coleção e produziu um desfile com 18 mulheres em um presídio de São Miguel Paulista (SP). "Levei cabeleireiro, maquiador, manicure, tapete vermelho, foi uma festa."

Após o curso de costura, mulheres presas participam de desfile dentro da unidade prisional - Divulgação/Passarela Alternativa

Com o fim de um casamento abusivo e a filha de um ano nos braços, cinco anos depois, Karen "se viu presa". Dialogou com o suicídio. Conta que foi uma frase que a despertou para "um momento em que se sentiu muito viva".

A frase era de Audre Lorde: "Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas". O momento era aquela passarela subversiva que ela montou em 2012.

Ligou na igreja que fazia capelania e perguntou quem cuidava da articulação com penitenciárias. Foi de porta em porta até chegar em Cláudio Nachibal, que conduziu o caminho para unidades prisionais.

"Minha proposta era fazer uma escola de moda dentro de penitenciárias. Que mulheres presas aprendessem a costurar no regime fechado e fossem contratadas quando egressas. Era um projeto educativo e de remissão penal."

A moda é uma isca, nossa atividade principal é resgatar a dignidade e transformar a vida dessas mulheres

Karen Brandoles

sobre a Passarela Alternativa

As oficinas passaram a acontecer com apoio da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), que fez as pontes necessárias.

"O curso vai além do aprendizado de um ofício ou da possibilidade de geração de renda para o público custodiado pela SAP e para as egressas atendidas nas Centrais de Atenção ao Egresso e Família", afirma Yara Toscano, diretora regional do Departamento de Atenção do Egresso e Família e da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP.

"A metodologia permite que as participantes realizem um plano de futuro em suas vidas, recebam auxílio contínuo em suas demandas e formem uma rede de apoio, em que todas se ajudam para superar estigmas gerados pelo aprisionamento", completa.

Em 2019, a Passarela Alternativa recebeu seu primeiro aporte, feito pela BrazilFoundation, que enxergou o potencial da ação em nome dos direitos humanos.

"A justiça criminal no Brasil tem um longo caminho a percorrer em termos de inclusão digna de pessoas egressas na sociedade", diz Monica de Roure, vice-presidente da BrazilFoundation.

"Investimos muito em armamento e sistemas de polícia enquanto a segurança pública só se resolve se investirmos em reinserção socioprodutiva. É isso que a Passarela Alternativa faz."

A metodologia permite que as participantes formem uma rede de apoio, em que todas se ajudam para superar estigmas gerados pelo aprisionamento

Yara Toscano

Diretora regional do Departamento de Atenção do Egresso e Família e da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP

Entre idas e vindas, como a pandemia, que suspendeu o projeto in loco e se deslocou para as casas das mulheres, a Passarela Alternativa conseguiu, em 2021, contratar cinco egressas para confeccionar absorventes reutilizáveis —que elas apelidaram de "abiosorventes".

"Aqui é minha casa. Tem terapia, conversa, atenção", diz Adriana Cássia.

Pelo menos 2.000 mulheres passaram pelas oficinas em quatro anos. Financiar a operação, que está hoje em unidades prisionais, na Fundação Casa e em ações pontuais em comunidades, ainda é um desafio.

"Empresas não querem estar ligadas a um projeto com pessoas presas. Ninguém quer investir em mulher presa, mas são direitos humanos", avalia Karen.

Adriana Cássia e Karen Brandoles durante as oficinas de corte e costura da Passarela Alternativa - Divulgação/Passarela Alternativa

A associação busca financiamento via emendas parlamentares, editais e doações recorrentes de pessoas físicas. "Arregaçamos as mangas, vendemos camiseta, absorvente, ecobag, vamos sobrevivendo."

E vão mesmo. No espaço alugado que não tem mais grades nas janelas, com cores vivas nas paredes e cafezinho sempre fresco, as mulheres e mães se apoiam por uma vida mais digna.

Caso de Adriana Cássia, que sorri depois de contar sua história: "Fui mãe e venci."

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