Decisão de Zanin e aval de Dino no STF abrem nova frente em crise entre três Poderes

Suspensão de desoneração a pedido do governo Lula potencializa atrito entre Congresso e Planalto com impacto no Supremo

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Brasília

O desgaste entre os três Poderes ganhou novo capítulo após o ministro Cristiano Zanin suspender trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras. A decisão atende a pedido do governo Lula (PT).

O benefício reduz os encargos sobre os salários. O Congresso aprovou no ano passado uma lei que estendia a desoneração até 2027, o que foi contestado pelo Executivo.

Em resposta a uma ação da AGU (Advocacia-Geral da União), o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou trechos da lei aprovada por deputados e senadores, o que é lido como uma afronta por parlamentares.

A decisão de Zanin está em análise pelo plenário virtual da corte. Nesta sexta (26), os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso (presidente do STF) referendaram a posição do relator, deixando o placar com quatro votos a favor do governo.

Para parte do Congresso, a revisão da lei mostra que Planalto e a corte interferem na atuação do Legislativo.

O ministro Cristiano Zanin, do STF
O ministro Cristiano Zanin, do STF - Gustavo Moreno - 17.out.23/Divulgação STF

Uma ala do STF admite que a ação proposta pela União potencializa os atritos entre o tribunal e o Legislativo.

O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chamou a ação da AGU de "catastrófica", disse que o Parlamento vai demonstrar ao Supremo os erros "do ponto de vista técnico" e criticou o governo federal "do ponto de vista político".

"[A ação] surpreendeu a todos, especialmente pelo momento que estamos vivendo de discussão e busca por alinhamento entre o governo federal e o Congresso Nacional", disse Pacheco nesta sexta.

Ele ressaltou que a sessão do Congresso para derrubada de vetos presidenciais foi adiada nesta semana a pedido do governo e elencou medidas aprovadas pelo Parlamento que deram fôlego aos cofres públicos.

"O que nos gerou perplexidade e muita insatisfação foi o comportamento do governo. Por que precipitar uma ação dessa natureza, que acaba fomentando o fenômeno que nós queremos evitar no Brasil, que é a judicialização política, quando estamos discutindo justamente nesta semana o adiamento de sessão do Congresso [...]?"

O senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor do projeto que prorrogou a desoneração, também cutucou o governo: "É inquestionável que o papel do presidente do Senado e do presidente da Câmara tem sido decisivo na hora das articulações porque o governo não tem conseguido impor a maioria que se espera em determinadas agendas".

Auxiliares jurídicos de Lula dizem confiar no referendo do STF ao pedido da União. O governo foi à Justiça alegando que a desoneração foi aprovada "sem a adequada demonstração do impacto financeiro". A AGU também aponta violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição.

Integrantes do governo reforçam que Lula enviou medida provisória ao Parlamento em dezembro de 2023 para evitar judicializar o tema e dialogar com o Congresso.

Aliados de Lula reclamam que os parlamentares, por sua vez, retiraram a prerrogativa do presidente, não deixando alternativa a não ser a Justiça. Segundo esses aliados, o governo ainda está aberto a conversar e quer evitar choques entre as instituições.

O ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou em nota ter "profundo respeito" por Pacheco. Disse ainda que o ministério apresentou argumentos técnicos jurídicos na ação e destacou a importância do "diálogo institucional".

"A atuação da AGU, portanto, em assistência ao Presidente da República, sempre se pautará pelo mais elevado respeito institucional aos Poderes e seguirá no bom rumo da construção da harmonia", argumentou.

O novo foco de tensão ocorre duas semanas após um jantar reunindo Lula e os ministros do STF Zanin, Dino, Gilmar e Alexandre de Moraes. O encontro ocorreu na casa de Gilmar. Estavam também os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União).

Na ocasião, foi feita uma avaliação da conjuntura política e da desarmonia entre os Poderes. A questão da desoneração, porém, ficou de fora, segundo um participante.

As autoridades saíram de lá com a intenção de procurar integrantes do Parlamento e melhorar a relação. Moraes conversou com Pacheco e com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Lula também se reuniu com Lira e pretende encontrar Pacheco.

A decisão de Zanin, tomada na quinta-feira (25), além de suspender trechos da desoneração da folha de empresas, corta a alíquota previdenciária de prefeituras.

A ação foi apresentada ao Supremo na quarta (24) e assinada pelo presidente Lula e pelo chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias.

A suspensão do benefício por Zanin tem efeito imediato, mas já foi submetida ao crivo dos demais ministros. A avaliação no plenário virtual segue até o dia 6 de maio.

A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.

No ano passado, o benefício havia sido prorrogado até o fim de 2027 e estendido às prefeituras. Mas o texto aprovado pelo Congresso foi vetado na totalidade por Lula. Em dezembro do mesmo ano, o Legislativo derrubou o veto.

A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.

A crise entre os Poderes vem aumentando desde o ano passado, após uma série de votações do tribunal em temas polêmicos, como o marco temporal, a descriminalização das drogas e a liberação do aborto para até 12 semanas após a concepção.

O Senado também aprovou a criminalização do porte e da posse de drogas em reação ao STF, que voltou a julgar descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A votação foi interrompida por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Temas como a PEC que permitiria ao Congresso derrubar decisões do Supremo e a limitação de decisões monocráticas de ministros do Supremo também contribuíram para a progressão de desgastes entre as partes.

Colaborou Thaísa Oliveira, de Brasília

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