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'Eu vivo em estado de poesia', diz a escritora Roseana Murray

No infantil 'O Braço Mágico', autora escreve poeticamente sobre a perda de um dos braços

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Coimbra

"Eu vivo em estado de poesia."

Essa frase já foi dita por diferentes escritores de jeitos mais ou menos parecidos. Mas existe uma diferença quando sai da boca de Roseana Murray. Porque ela não está falando apenas sobre a sua carreira ou sobre seus mais de cem livros publicados. A autora está comentando também sobre a própria vida e o próprio corpo.

Ilustração de Fernando Zenshô para o livro 'Braço Mágico', de Roseana Murray - Divulgação

Pelo menos é o que mostra o novo "O Braço Mágico", narrativa poética para o público infantil que a carioca de 73 anos lança neste sábado, dia 10, no Rio de Janeiro.

Na história, conhecemos a personagem da avó, uma poeta de cabelos vermelhos inspirada na figura da escritora. Só que ela tem um superpoder —um braço invisível e mágico, com o qual consegue alcançar o horizonte, fazer cafunés em cavalos-marinhos, preparar piqueniques sobre as nuvens e outras coisas fantásticas e maravilhosas.

Mas é bom dizer que nem sempre foi assim. No passado, esse braço era feito de carne e osso, igual ao de todo mundo. "Um acidente fez a avó perder um braço", explica depois o texto, que é ilustrado pelas aquarelas de Fernando Zenshô.

Pode parecer ficção ou aventura de super-herói, mas literatura e vida se misturam em todo o livro. Arte e corpo caminham juntos a todo o instante. Inclusive nessa parte.

Há quatro meses, em abril deste ano, Murray saiu para caminhar de manhã e foi atacada por três cachorros que escaparam de uma casa vizinha no bairro onde vive, na cidade de Saquarema, no Rio de Janeiro. Resgatada de helicóptero, ela passou 13 dias internada no hospital. Por causa da gravidade dos ferimentos, teve o braço direito amputado. E, como sempre escreveu com a mão direita, perdeu a parte do corpo que usava para trabalhar.

"Quando acordei, passei a mão pelo meu ombro e rapidamente perguntei para o meu filho se eu tinha perdido o braço", relembra. "Foi um pouco depois disso, ainda no hospital, que comecei a pensar nesse livro. Queria que fosse uma história para crianças e que transformasse a perda do braço em outra coisa. E isso me salvou. Ajudou no processo de superar e entender tudo o que estava acontecendo."

É que, ao transformar a vida em literatura, a escritora também fez o inverso —colocou pitadas de poesia em tudo o que estava enfrentando. No livro, ela mostra que as perdas nem sempre enfraquecem as pessoas. Ausências dolorosas podem ser o ponto de partida para superpoderes. Se já não existem fronteiras físicas, o céu se torna o limite. Com um braço invisível e mágico, passa a ser possível fazer coisas que antes eram impossíveis.

Mas essa é só uma das muitas interpretações. Na obra, Murray nunca explica nada tim-tim por tim-tim. Não entrega ideias fechadas, morais edificantes nem fala sobre superação, autoajuda e heroísmo. "Nunca vou ensinar o leitor. Só coloco pontos de interrogação e deixo que as crianças procurem as respostas. Busco dividir a vida com meus leitores. E a vida nunca vem com bula nem manual de instruções."

Filha de judeus poloneses que imigraram para o Rio de Janeiro um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, a escritora conta que sempre enxergou a poesia desse jeito, como uma maneira de colecionar interrogações e mudar o mundo.

"Fui uma criança muito sensível e com uma infância triste. Minha casa era triste. Era um lugar de gente que precisou fugir e que viu muitas coisas ruins. Mas eu lia muito. Muito mesmo. Descobri que, quando estava dentro dos livros, conseguia sair um pouco daquela casa", conta. "Então fui lendo, lendo, lendo, mesmo que não entendesse nada. Mas algumas perguntas sempre ficavam na minha cabeça. E aquilo era uma maravilha."

A escritora Roseana Murray, meses antes do ataque de pitbulls em Saquarema - Instagram

São essas dúvidas que ela deseja agora plantar na cabeça de crianças e jovens. Ao lado de "O Braço Mágico", Murray acaba de lançar "Poesia Travessia", com 60 poemas para adolescentes —mas que crianças podem ler se quiserem ficar recheadas de interrogações. Além disso, ela publica frequentemente ebooks gratuitos em seu site (roseanamurray.com), que podem ser baixados por qualquer pessoa.

E outros títulos devem sair em breve por diferentes editoras, porque a autora não para de escrever.

"Nada do que eu vivi é uma experiência boa. É horrenda. Cheia de dores. Estou reaprendendo escrever sem o braço direito. Mas, dentro disso, você sempre acha uma fresta. Por esse espaço, por menor que ele seja, a sua mente precisa encontrar forças."

Fresta é uma abertura pequena, estreita, espremida. Mas, nesse caso, é também uma porta. Um vão entre a realidade e o mundo da arte. Uma via de mão dupla, em que a vida e a literatura estão sempre em contato. Porque são coisas inseparáveis.

"Isso para mim é o estado de poesia", diz a poeta.

O Braço Mágico
Autora: Roseana Murray. Ilustrador: Fernando Zenshô. Ed.: Estrela Cultural. R$ 54,90 (32 págs.). Lançamento: neste sáb. (10), às 11h, na livraria Janela (shopping da Gávea - r. Marquês de São Vicente, 52, Rio de Janeiro)

Poesia Travessia
Autora: Roseana Murray. Ed.: Editora do Brasil. R$ 62,30 (64 págs.)

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