Peça relê antropofagia cultural como indigestão histórica do país
A montagem encerra a "trilogia da cidade"
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A antropofagia, que desde o manifesto de Oswald de Andrade, quase um século atrás, alçou-se à condição de metáfora do processo de formação da nossa identidade, ganha o palco na montagem "Guanabara Canibal".
Não é uma assimilação festiva do outro, no entanto, que está em cena no espetáculo da Aquela Cia. de Teatro; retoma-se, aqui, o choque entre os indígenas –nesse caso, os tupinambás da aldeia karióka– e o colonizador, em um ritual canibal que revolve a história de fundação do Rio de Janeiro.
A montagem encerra a "trilogia da cidade", em que a companhia carioca investigou a história da capital fluminense em peças escritas por Pedro Kosovski e dirigidas por Marco André Nunes.
Em 2102, "Cara de Cavalo" se debruçou sobre a extinta favela do Esqueleto e, em 2015, a premiada "Caranguejo Overdrive" tratou do antigo mangue, aterrado no final do século 19, onde foi construída a praça Onze, na região central do Rio.
Em "Guanabara Canibal", retomam-se as batalhas até o massacre nas aldeias cariocas, em uma narrativa construída por linguagens diversas. Legendas projetadas sobre uma tela acompanham a cronologia da guerra, mas é o ritual antropofágico, como síntese do encontro dos inimigos, que mostra, pelo reverso, a violência fundadora do país.
Personagens alegóricos, tais como o colonizador, a viúva presenteada ao inimigo (que comandará o ritual de sua deglutição) e um mestiço, conduzem esse rito, em textos condensados e muito trabalho físico.
DANÇA E MÚSICA
A instalação no palco (de Marco André Nunes e Marcelo Marques) se transforma em karióka pelos elementos que os atores vão revelando e principalmente pela música (com direção de Felipe Storino), que movimenta os corpos em uma dança agonizante e habita todo o ambiente.
Do excelente elenco, destaca-se a atuação de Matheus Macena, com corpo e voz impressionantes, que fazem a problemática mestiçagem de seu personagem explodir em todas as direções, criando um ser que é amálgama de todos os sexos, crenças, histórias, humores, sem se aproximar de qualquer ideia de exotismo.
O espetáculo alcança um dos seus auges na descrição minuciosa do banquete a partir do corpo do colonizador. O desespero do português, traduzido pela dificuldade com a língua do outro e pelas referências culturais deslocadas, contrapõe-se ao rigor ritualístico e à resistência da viúva canibal.
É essa grande personagem feminina que, sofrendo de uma indigestão que se diria histórica, problematizará a antropofagia como assimilação.
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