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Romance de americana que traduz Clarice Lispector não agarra leitor

'A Arte de Desaparecer' traz visão ingênua e inconscientemente preconceituosa do Brasil

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Idra Novey, autora de 'A Arte de Desaparecer' - Divulgação

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Daniel de Mesquita Benevides

A Arte de Desaparecer

Avaliação: Regular
  • Preço: R$ 55 (272 págs.)
  • Autoria: Idra Novey, tradução de Roberto Taddei
  • Editora: 34

Talvez seja bom subir numa amendoeira para fumar um charuto. Fazer isso carregando uma mala já é mais estranho. Desaparecer depois, sem deixar rastro algum, por sua vez, é uma obra de arte —e um caso de polícia.

Em se tratando de Beatriz Yagoda, excêntrica escritora brasileira, a arte sempre fala mais alto, mas o aspecto mundano não é desprezível, como irá descobrir sua tradutora para o inglês, a americana Emma Neufeld.

Assim que sabe do sumiço, ela abandona o namorado à beira do casamento e voa para Copacabana. Sua esperança é solucionar o mistério com eventuais pistas deixadas pela escritora em seus textos. 

Mas o que seria uma investigação intelectual esbarra na faca de Flamenguinho, vigarista que cobra uma vultosa dívida de jogo da autora desaparecida. 

Assustada, porém livre do tédio gelado de Pittsburgh, Emma se deixa cobrir pela sombra da amendoeira, que se estende virtualmente até a Ilha Grande e Salvador. Em suas peripécias, ela se envolve eroticamente com Marcus, filho de Beatriz, o que desperta raiva e desconfiança na irmã dele, Raquel.  

A Arte de Desaparecer é o primeiro romance de Idra Novey. A narrativa é visual, os capítulos são curtos e o tom é suavemente cômico, ainda que o ritmo e a trama tenham o pulso de um thriller. Aqui e ali, surgem trechos de um diário que mais parecem verbetes de dicionário. Este recurso proporciona alguns dos melhores momentos do livro: breves poemas em prosa, dialogam com a situação íntima da protagonista e com sua profissão. 

Não à toa Novey é poeta e tradutora. O fato de ter traduzido "A Paixão Segundo G.H." tampouco parece coincidência, já que Beatriz Yagoda guarda alguns traços biográficos com Clarice Lispector. O apego microscópico pelas palavras em português, transposto nos diários de Emma (de resto, típica mulher “clariciana”, no limite de uma ruptura com seu mundo, ou com o mundo inteiro), também lhe serviu para verter os versos de Manoel de Barros e Paulo Henriques Britto.

Mas os elogios da imprensa americana ao romance não se justificam. Como thriller, não proporciona ganchos suficientes que agarrem o leitor e deixa pontas soltas —por exemplo, outro escritor desaparece em circunstâncias iguais, mas nada liga os fatos. 

E como “ficção literária”, à exceção de alguns bons insights sobre tradução, fica demais na superfície - não há riscos, se deixa levar pela correnteza, quase automaticamente.

O esquema de comédia de erros, pontuado por uma alternância de registros (as notícias, os diários, os e-mails), é um pouco desajeitado. Os trechos em que emula a Rádio Globo são sofríveis. As cenas de ação parecem exercício primário de um curso sobre Dashiell Hammett (os clichês de beco escuro e orelha cortada que o digam), e as de sexo remetem a alguma série de TV simpática e insossa. 

Outro problema é a visão ingênua e inconscientemente preconceituosa do Brasil. Há referências insistentes ao fedor nos lugares, e a certa altura uma personagem dispara o exagero: “Metade do Rio de Janeiro tem uma arma na jaqueta”. Não é muito, mas o suficiente para fazer ruído. 

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