'João de A a Z' reforça mais uma vez histórias repetidas inúmeras vezes
João Carlos Martins traz livro com coleção de depoimentos autobiográficos
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É provável que a necessidade de contar e recontar a sua própria história tenha nascido junto com o inexorável final da carreira pianística de João Carlos Martins.
Nos últimos 16 anos, quando a atividade de regente (em geral dedicada a orquestras de estudantes, contando também com a coordenação de professores experientes) começou a predominar, foram realizados sobre ele sucessivamente “dois documentários europeus e um brasileiro, três livros, um filme e uma peça de teatro”, como ele mesmo lista no recém-lançado “João de A a Z” (adiante no livro ele menciona também o samba enredo da Vai-Vai contando a sua vida, vencedor do carnaval de 2011).
Coleção de depoimentos autobiográficos a partir de 23 palavras apresentadas em ordem alfabética (um capítulo para cada letra do abecedário), “João de A a Z” mantém a característica oral informal da fala de Martins, e reforça mais uma vez histórias já repetidas em inúmeras entrevistas.
Entre os verbetes pode-se encontrar termos heterogêneos como “amor”, “fé”, “neurologia”, “paixão”, “universo” e, na letra “J”, “João”, o seu próprio nome.
Não é obra fruto de pesquisa, com informações precisas, detalhes objetivos, apoio documental: são memórias pessoais que perpassam de um verbete a outro.
A forma como o autor relata as próprias experiências é bastante hiperbólica: há sempre uma componente sensacional, o que dá sabor e apelo à narrativa, mas também certa uniformidade no tom, seja no relato de sucessos ou de tragédias.
Um exemplo: no capítulo inicial ele parece relatar um caso comum de paixão infantil por uma colega de escola, bem como a tristeza por sua ausência; o desenlace é, no entanto, surpreendentemente trágico: “vi um grande tumulto em frente à casa dela, a mãe havia ligado o gás, matado os filhos e se suicidado”.
O mesmo ocorre com os problemas físicos que acabaram por inviabilizar sua destacada carreira de pianista: bastaria, para isso, a distonia focal —mal que aflige milhares de músicos de todos os níveis e nacionalidades—, a qual Martins admite ter se manifestado ainda precocemente. Mas, para além, há o grave acidente em um treino de futebol em Nova York, a agressão sofrida em um assalto na Bulgária, as dezenas de cirurgias. Tudo é superlativo na vida do autor.
Embora fale muito das glórias, de alguns fracassos, curiosidades da carreira, e dedique sua letra “B” a Bach —o compositor no qual se especializou desde cedo—, Martins não aprofunda sua concepção de música. São poucas as ideias musicais discutidas em meio a passagens incidentais extraídas de fragmentos sobre a vida dos compositores.
Por outro lado, apesar do músico afirmar não apreciar o termo “autoajuda”, preferindo a expressão “compartilhamento”, é esse viés que, aos 79 anos, ele explora com mais propriedade: com seu jeito apaixonado e obstinado, empolgado e cheio de vitalidade, ele de fato consegue mexer fortemente com pessoas e estruturas.
Definindo-se como um “católico que acredita em reencarnação”, Martins utiliza a versão que construiu sobre a própria vida para deixar uma mensagem de superação e renovação.
E não é preciso nenhuma justificativa externa —nem mesmo esse livro— para que nos emocionemos com o canto límpido e profundo que ele obtém, ainda hoje, ao tocar uma singela melodia ao piano utilizando apenas os dois polegares.
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