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Cinema

Fogo na Cinemateca é uma política do governo com estudado descuido

O fanatismo, a negligência e a vontade de apagar a cultura desprezam a luta que ergueu os tijolos da instituição

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É importante ficar claro que o incêndio do galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, em São Paulo, não foi um acidente, nem mesmo se pode chamar de tragédia. A liquidação da Cinemateca é uma política de governo planejada não digo que com cuidado, mas com o estudado descuido que deixou insubstituíveis preciosidades trancadas, sem nenhum cuidado, ainda que se saiba o quanto de cuidado requer a preservação de um material altamente inflamável como são filmes e papéis.

A mistura de fanatismo e negligência, ignorância e vontade de apagamento da cultura que rege o governo já nos havia dado sinais do que pretendia quando, tendo o Museu Nacional pegado fogo, o então candidato Bolsonaro, perguntado sobre o que pensava do fato respondeu na lata “pegou fogo, pegou". "O que eu posso fazer?”

Pouco depois, eleito pela maioria dos brasileiros (não esquecer que temos o governo que o Brasil elegeu, pelo qual o Brasil foi às ruas, batalhou), o desapreço pela cultura e pela ciência se manifestou de maneira quase cotidiana. De maneira que, quando numa mesma semana, somos confrontados com a pane (por descuidos) nos servidores do CNPq e o fogo num dos galpões da Cinemateca, mesmo que ainda não se possa dizer com precisão o que foi perdido e quanto), só se pode dizer isso –eles conseguiram.

Não imaginam o quanto conseguiram, porém. Em sua fanática crença, desconhecem que cada tijolo de cada prédio da Cinemateca Brasileira foi conseguido ao longo de uma intensa luta pelo reconhecimento da importância e do caráter insubstituível das imagens ali preservadas.

Com todos os limites, instâncias federais, estaduais, municipais e privadas se mobilizaram por entender, depois de intenso trabalho de convencimento, que grande parte do conhecimento possível sobre o Brasil, desde o início do século 20, se encontra registrado em meios audiovisuais, em especial o cinema, e depositado nos galpões da Cinemateca.

Sim, ainda antes desse governo padecíamos de problemas inúmeros. Por exemplo, mas não exclusivamente, a insuficiência de verbas para restauro dos filmes (e mesmo do material da TV Tupi, que está —estava?— sob a guarda da Cinemateca). Por exemplo, a Cinemateca era disfuncional desde a intervenção desastrada da gestão Marta Suplicy no Ministério da Cultura.

Mas o que houve, desde o início do atual governo federal é de outra ordem. A Cinemateca foi esvaziada de quadros formados ao longo de décadas —foram demitidos—, se esvaziou em seguida a Cinemateca. Ninguém estava no depósito, nem uma mísera brigada de incêndio. Nada. Não por uma hora ou um dia.

Existe uma lógica na destruição, embora não seja exclusiva do governo, do bolsonarismo, do tradicionalismo e outras forças deletérias. O incêndio que testemunhamos não é uma tragédia. Não é apenas uma tragédia. É o horror, não menos que isso. É o obscurecimento da memória real em favor da memória postiça com que secretários de Cultura e outros tentam implantar no país.

Essa é uma vitória do obscurantismo. Chegou aonde queria, conseguiu o que provocou. É obra de governo, sem dúvida (responsável pela Cinemateca, assim como pelo CNPq). Mas não só. Para nós, para quem ainda acredita em coisas como ciência e cultura, perdas nessa escala não se mensuram em metros de filmes ou documentos perdidos. São irreparáveis.

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