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'BBB 22' expulsou Maria após regredir ao quanto pior, melhor da televisão

Agressão que teria passado incólume nos anos 1990 relembra desafio de trazer o fogo no parquinho, sem arcar com o fósforo

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A cena em que Maria atinge Natália com um golpe de balde no jogo da discórdia promovido pelo "Big Brother Brasil 22" na segunda-feira foi replicada à exaustão nas redes sociais, gerando larga pressão sobre a Globo e os patrocinadores do programa para que a atriz fosse expulsa da casa. No início da tarde desta terça, a direção do reality show anunciou enfim a saída da participante por ato de agressão. Mas o que fazia Maria com um balde na mão?

A "brincadeira" pedia que cada brother e sister apontasse problemas nos adversários. Feito isso, se a maioria dos demais participantes concordasse com as acusações, o acusador deveria despejar um balde de água suja sobre a cabeça do acusado. A premissa do jogo, antes feito à base de argumentação e até de ataques verbais no limite da civilidade, dessa vez já partiu de um ato fisicamente invasivo, normatizando a agressão a seguir.

Se estivéssemos nos desenfreados anos 1990, quando a bizarrice imperava até em programas infantis, talvez Maria nem expulsa fosse. Nem a gente notaria nada de estranho em despejar água suja na cabeça de um adversário em programa dito de entretenimento. Mas pensávamos ter avançado algumas casas no tabuleiro da responsabilidade cabível aos veículos de mídia profissionais.

Há duas décadas, em especial, testando a liberdade conquistada com o fim da censura no Brasil, havia sempre um homem de sunga tentando pegar sabonetes debaixo d’água em uma banheira que, instalada no palco de Gugu Liberato, aos domingos, era ocupada por alguma beldade de biquíni feito de peças desobedientes diante das câmeras.

Havia pessoas com deficiência física expostas justamente por suas diferenças, de pessoas com nanismo a figuras chamadas de E.T., Latininho e afins. Até sushi erótico serviram às três da tarde de um domingo, em pleno "Domingão do Faustão".

Isso foi em 1997, e só foram perceber que talvez aquilo não fosse muito normal depois que a aberração já estava no ar. Mas quem teve a chance de conferir as chamadas para a tal atração, ao longo da semana, percebeu que a coisa ia dar ruim. E deu. Foi o teto do festival do sem noção. A vantagem é que aquele episódio teve o poder de reconectar os programadores às suas metas de criação e conteúdo.

Menos de dez anos depois, entre 2014 e 2016, Tatá Werneck e Fábio Porchat visitaram esse universo com a lente de aumento que só o humor permite. Era o "Tudo pela Audiência", um programa feito para o canal Multishow.

O propósito era enxergar aquele cenário com alguma distância, evidenciando como todo o circo promovido poucos anos antes soava fora da nova curva de responsabilidade social cobrada dos meios de comunicação.

Programa "Tudo pela Audiência", do Multishow, com Tatá Werneck e Fábio Porchat. Ao centro, os convidados Renata Banhara, Val Marchiori e Fábio Arruda. - Gianne Carvalho/Divulgação

Tatá e Porchat contracenavam então com atores com nanismo, homens marombados adornados com acessórios sadomasoquistas e mulheres quase nuas. A dupla cometia excentricidades de toda espécie, submetendo até convidados famosos a gincanas constrangedoras. Mas balde de água suja nem lá se jogava em alguém.

Os grandes fãs do "BBB", seguidores de todas as temporadas, têm clamado por mais temperatura de jogo nesta edição. Diante do marasmo de jogadores que mais parecem ver no confinamento um spa patrocinado pela Globo, sem disposição para as requisitadas tretas, o "big boss" Boninho tenta criar recursos para dar ao público o fogo no parquinho que tanto pedem. Oferecer água suja no jogo da discórdia diz muito sobre o empenho de quem aposta no quanto pior, melhor.

Ainda que sem conflito não haja espetáculo —premissa que serve à literatura, à dramaturgia, e também aos reality shows—, a produção do "BBB" tem demonstrado nas duas últimas edições uma farta competência em criar situações que propiciem a divergência, sem apelar para situações que ultrapassem a irrestrita oferta de bebida alcoólica nas festas promovidas no confinamento.

Os atalhos escancaradamente mais fáceis tornam o jogo menos instigante para quem está na plateia, seja apenas consumindo tempo com apostas ou também pagando pelo show. Não é por outro motivo que a Record tem sido cobrada por selecionar os participantes de "A Fazenda" de acordo com o número de boletins de ocorrência de cada candidato.

Maria pode e deve ser responsabilizada por seus atos neste "BBB 22", assim como aconteceu com Lucas Penteado e Karol Conká na edição passada. Mas o desafio do "BBB" é promover o fogo no parquinho sem jamais arcar com o ônus de acender o fósforo.

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