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Rússia exibe 'Batman' e 'Red' em versões pirateadas, assim como faziam na era soviética

Após boicote de Hollywood, filmes chegam ao público baixados da internet, ecoando prática da época da Cortina de Ferro

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Valeriya Safronova
The New York Times

Desde a invasão da Ucrânia, os maiores estúdios de Hollywood pararam de lançar filmes na Rússia, e a Netflix interrompeu a sua operação no território. Mas algumas dessas distribuidoras voltaram a ter filmes exibidos nos cinemas russos —de forma ilegal.

As exibições são remanescentes da era soviética, quando o único modo de assistir à maior parte da produção cinematográfica ocidental era por meio de versões pirateadas. Mas, enquanto aqueles filmes chegavam à Rússia em fitas VHS contrabandeadas, hoje os cinemas do país têm um método mais simples e rápido —a internet. Diversos sites oferecem cópias piratas de filmes que demoram minutos para serem baixadas.

Assento vazios em uma sala de cinema de Oktyabr, em Moscou - Natalia Kolesnikova - 29.mar.2022/AFP

Alguns cinemas da Rússia estão exibindo abertamente obras pirateadas; outros, mais cuidadosos, permitem que indivíduos aluguem seus espaços para exibir filmes, de graça ou pagando taxa. Um grupo de pessoas alugou, por exemplo, várias salas num cinema em Ecaterimburgo e usou as redes sociais para vender ingressos do novo "Batman".

Espectadores também podem assistir ao "Batman" em Ivanovo, cidade a cerca de cinco horas de carro de Moscou, em ao menos um cinema. Em Makhachkala, capital da região de Daguestão, no Cáucaso, um cinema exibe "Não Olhe para Cima", e em Chita, cidade próxima da fronteira com a Mongólia, pais podem levar os filhos para assistir à animação "Red: Crescer É uma Fera".

Essas exibições por baixo dos panos são a última tentativa dos cinemas russos de sobreviver depois que estúdios como Disney, Warner e Paramount saíram do país, em protesto contra a invasão da Ucrânia. Antes da guerra, filmes produzidos pelos Estados Unidos respondiam por cerca de 70% do mercado cinematográfico russo, segundo informações da mídia estatal.

Mas, a despeito da tentativa de atrair o público, os russos já quase não estão mais frequentando os cinemas. Eles viram a sua venda de ingressos cair pela metade em março, se comparado ao mesmo período do ano passado, segundo a Associação de Proprietários de Cinema russa.

Artem Komoliatov, de 31 anos, um produtor de videogame de Moscou, percebeu essa mudança quando ele e a mulher foram ao cinema numa noite de sexta, algumas semanas atrás. Com o clima político que reina no país, os dois queriam passar um tempinho em um ambiente tranquilo, com outras pessoas, disse Komoliatov, "assistindo a algo juntos, talvez rindo e chorando".

Eles escolheram "Everything Everywhere All at Once", tudo em todo lugar de uma vez, longa do estúdio independente americano A24, que parou de lançar filmes na Rússia em meados de abril.

A cena com que se depararam ao chegar ao cinema foi bizarra, conta Komoliatov. "Além de nós, só havia outras três pessoas. Fomos às oito da noite num fim de semana. Em geral, o cinema está lotado."

Dada a escassez de espectadores e de filmes, a Associação de Proprietários de Cinema previu que ao menos metade dos cinemas da Rússia falirá nos próximos dois meses.

Mesmo se esse prognóstico for verdadeiro, a história comprova que os filmes ocidentais chegarão ao público com ou sem os meios legais para isso. Décadas atrás, os cidadãos soviéticos se reuniam em escritórios vazios, salas de estar e centros culturais para assistir a cópias piratas de clássicos como "Rocky", "O Exterminador do Futuro" e "Nove e Meia Semanas de Amor", que tinham furado a Cortina de Ferro.

Nos tumultuados anos que seguiram o desmonte da União Soviética, a pirataria continuou a ser o maior ponto de acesso de Hollywood à Rússia. Fitas VHS vendidas em mercados locais levavam com frequência longas claramente gravados com câmeras portáteis nos cinemas. Continuando a tradução soviética, os filmes eram dublados em russo, e várias vezes um só homem fazia todos os papéis masculinos da trama, e uma só mulher, os femininos.

A abertura do primeiro cinema de estilo ocidental, em 1996, em Moscou, representou o começo do fim da distribuição ilegal de filmes na Rússia, segundo uma pesquisa do Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais, instituto sem fins lucrativos de Nova York.

No início dos anos 2000, os russos lotaram os cinemas para assistir a blockbusters globais como "Avatar" e "Piratas do Caribe: No Fim do Mundo". E a Rússia logo se tornou o nono maior mercado nacional em termos de box office, segundo a Associação Cinematográfica Americana.

Agora, o futuro dos filmes de Hollywood na Rússia é realmente obscuro.

Na semana passada, em torno de 250 pessoas foram assistir à "prémière" de "Batman" em Moscou, conta Habbilen Halichev, de 25 anos, diretor teatral e artista que organizou o evento, que o descreve como uma performance artística.

Em um aceno às exibições ilícitas da era soviética, Halichev disse que "tentou mimetizar a atmosfera underground", pondo um projetor no meio do espaço, entre fileiras de cadeiras descasadas.

Mas há diferenças cruciais em relação ao passado. Uma delas é o fato de que, se os blockbusters ocidentais não estão mais disponíveis legalmente, é por opção dos estúdios de Hollywood, não devido à censura do Kremlin. E as exibições ilegais não representam perigo para os espectadores, além de pouco risco para os organizadores —até agora.

"Há dois meses, isso seria impossível", afirma Halichev. "Agora você pode baixar um filme vendendo entradas, e o que vai acontecer? Não vai haver consequências."

Tradução Clara Balbi

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