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Televisão

Por que Paulo Gustavo, morto há um ano, ainda não tem um sucessor

Graças a ele, que estourou em 2013, com o 'Vai que Cola', o humor brasileiro ficou mais inclusivo e menos homofóbico

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Foi uma das noites mais tristes do ano passado. Um daqueles momentos históricos em que todo mundo se lembra do que fazia quando ficou sabendo. Eu, por exemplo, dava uma última checada no Twitter, me preparando para cobrir a final do Big Brother Brasil 21.

Aí aconteceu o impensável. O último episódio da temporada do reality da Globo, que costuma ser uma festa, foi contaminado pelo luto. Tiago Leifert deu a notícia da morte de Paulo Gustavo aos finalistas, baixando a fervura da vitória da paraibana Juliette.

Não era para menos. O ator era um dos humoristas mais proeminentes surgidos na década anterior, e certamente o campeão de bilheteria de um grupo que inclui luminares como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Tatá Werneck. A trilogia "Minha Mãe É uma Peça", em que ele interpreta um personagem baseado em sua própria mãe, levou cerca de 25 milhões de pessoas ao cinema.

O ator e humorista Paulo Gustavo
O ator e humorista Paulo Gustavo - Victor Pollak/Globo

Uma façanha e tanto, ainda mais se considerarmos que Paulo Gustavo se tornou uma celebridade nacional sem precisar da TV aberta. Depois do sucesso de seu monólogo "Minha Mãe É uma Peça" no teatro, o comediante de Niterói, no Rio de Janeiro, foi chamado pelo canal pago Multishow, onde alcançou inédita visibilidade.

Era o começo da década de 2010, e a TV paga estava em franca expansão no Brasil. Ainda colhendo os bons resultados econômicos do segundo governo Lula, gente da classe média para baixo começou a assinar pacotes do serviço, até então tido como artigo de luxo.

Atento a esse novo público, o Multishow decidiu criar atrações para segurar os espectadores. Séries cômicas de grande apelo popular, mas com nomes nem tão famosos assim, para baratear os custos de produção. Nem todos os projetos deram certo, mas "220 Volts", exibida entre 2011 e 2016, deu.

Àquela altura Paulo Gustavo já havia participado de diversos filmes e programas da Globo, mas nunca com grande destaque. Aí, em 2013, quando já estava bem mais conhecido, foi convidado pelo Multishow para estrelar "Vai que Cola", uma sitcom gravada diante de uma plateia, nos moldes da antiga "Sai de Baixo". Um sucesso instantâneo.

Neste mesmo ano, o primeiro "Minha Mãe É uma Peça" estreou nos cinemas e se converteu num inesperado estouro de bilheteria. Foi só então que a mídia se deu conta de que havia um novo grande nome no humor brasileiro —o primeiro, desde a década de 1950, que não precisou da TV aberta para se firmar.

Outros humoristas viriam a se destacar na internet, como Whindersson Nunes e o pessoal do Porta dos Fundos. Mas nenhum repetiu a trajetória de Paulo Gustavo, catapultado para a glória durante o curto período em que a TV paga cresceu de modo considerável no Brasil.

Sua morte, aos 41 anos, por sequelas da Covid-19, abriu uma lacuna. Paulo Gustavo agradava tanto às plateias mais sofisticadas, como seus colegas Porchat e Adnet, como também falava diretamente com o povão, como o elenco do extinto "Zorra Total".

É desse elenco que vem um nome que poderia ser apontado, se não como seu sucessor, como alguém que desenvolve um trabalho com alguns pontos comuns —Rodrigo Sant’anna. O criador da travesti Valéria, que fazia sucesso com o bordão "ai, como eu tô bandida", agora encarna uma mãe dominadora na série "A Sogra que te Pariu", da Netflix. A terrível dona Isadir vive às turras com a nora, e sua sensibilidade suburbana remete de imediato à dona Hermínia, a criação imortal de Paulo Gustavo.

Rodrigo Sant’Anna também passou pelo Multishow e fez filmes de sucesso, embora nada comparáveis ao tsunami de "Minha Mãe É uma Peça". Mas sua temperatura cênica é distinta, com um humor mais físico do que verbal.

Se Paulo Gustavo não tem um sucessor óbvio, por outro lado, deixou um legado que promete ser duradouro. Graças a ele, que nunca escondeu sua homossexualidade nem seu relacionamento com o médico Thales Bretas, o humor brasileiro ficou um pouco mais inclusivo e menos homofóbico. Agora a graça é fazer piada com o opressor, não com o oprimido. Mesmo sofrendo até ataques pessoais, nossa nova geração de comediantes segue firme nessa linha.

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