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'República dos Juízes' disseca a Justiça sob Bolsonaro e mensalão

Diretor Eugênio Puppo reflete sobre como a Constituição foi criada em 1988 já cercada de problemas

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República dos Juízes

Avaliação: Bom
  • Onde: Disponível no Claro TV+
  • Produção: Brasil, 2022
  • Direção: Eugenio Puppo

"Existem diversos tipos de Estado. O Estado liberal, o Estado social-democrata, o Estado socialista. Mas nenhum deles é pior do que o estado a que chegamos." A imortal formulação do capitão Salgueiro Maia para definir a situação do salazarismo em Portugal, em 25 de abril de 1974, cai como uma luva no Brasil atual.

Chegamos a um estado desesperador. Mas como? Eis a questão que a série "República dos Juízes" procura, mais do que responder, propor. Os argumentos do diretor Eugênio Puppo são inúmeros.

Sede da Justiça Federal no Paraná, que continuou com dezenas de casos da Lava Jato após a ida do ex-juiz Sergio Moro para o Ministério do Justiça - Guilherme Pupo - 8.out.14/Folhapress

Podemos tentar resumir tudo a partir da premissa de que a Constituição de 1988 surgiu com a ideia de criar direitos sociais julgados então necessários, mas padeceu de problemas. A transição do governo militar, no entanto, já trazia problemas. A começar pelo óbvio —como conviver com uma Lei de Anistia que fazia vista grossa para a tortura, que aceitava a tutela dos militares ao tirar o poder de suas mãos? No filme, quem nos lembra disso é Luiz Carlos Prestes.

É provável, supõem diversas vozes na série, que venha daí o poder concedido a instâncias em princípio técnicas, como o Judiciário. Ou até —teria esse poder sido mesmo concedido ou foi sendo conquistado? E, nesse caso, o que permitiu tal usurpação?

Alguém responde no filme e, aparentemente, por ele —a crença de que é preciso amenizar o poder da política e dos políticos. Como contrabalançar isso? Se isso não pode vir do Executivo nem do Legislativo, só uma instância neutra pode preencher essa função —os juízes e promotores.

Só que, nessa altura, outro problema reaparece. Será essa instância realmente técnica? Bem, o filme não demora a designar. Ela surge no peito estufado de Joaquim Barbosa, por exemplo —a vaidade.

Foi criado então um Judiciário vaidoso e empoderado pela crença social em sua neutralidade, e que tende assim a se hipertrofiar. Com efeito, não se pode mais dar dez passos sem consultar um advogado. Temos, portanto, a obrigação de acreditar que a Justiça é cega. Que a lei paira igualmente sobre todos nós. O filme deixa no ar a pergunta —será?

Ou, indo um pouco mais longe, o diretor Eugênio Puppo sugere que, talvez, tenhamos partido do chamado entulho autoritário para desembocar no entulho judiciário.

Essas considerações são uma tentativa de introduzir o leitor ao conteúdo explícito da série. É preciso, no entanto, dizer algumas coisas sobre a sua forma. Em primeiro lugar, ela praticamente suprime a presença de juízes, juristas e similares. Vozes são ouvidas, mas raramente as palavras são acompanhadas pela imagem dos que a emitem.

"República" evita a forma tradicional desse tipo de documentário, habitualmente centrado no acúmulo de depoimentos que atribuem autoridade e verdade. Partindo desse princípio, Puppo fez um primoroso trabalho de busca e seleção de imagens, de maneira a criar associações que não permitem a políticos, juízes ou jornalistas sobreporem seu discurso ao do filme.

A partir daí, a produção não pode ser acusada de neutralidade. As associações sugeridas são muitas e, de certa forma, conduzem a reflexão do espectador. No entanto, existe um centro. A Constituição em vigor, mais a anistia à tortura, mais a exposição midiática dos três Poderes, levaram à "democracia despolitizada".

A cena que melhor resuma as ideias desta série vem de um velho filme mudo, "Uma Página de Loucura", do japonês Teinosuke Kinugasa. Ali, em dado momento, surgem imagens de uma mulher descontrolada.

Poderiam ser imagens da mulher de olhos vendados que assombra o "Twin Peaks" de David Lynch. As imagens de Kinugasa e as de Lynch parecem saídas de um pesadelo e talvez sejam as que melhor resumem as muitas ideias que circulam nesta série. Mais do que responder à premissa inicial, me parece que o intuito seja evocar a necessidade de pensar como chegamos ao estado atual.

Não será fácil reconstituir isso. "República dos Juízes" procura refazer o percurso, ou uma das vertentes desse percurso. Ao fazer isso, de certo modo nos lança num labirinto. Desmontar o edifício do narrativismo, demonstrar por metáforas imagéticas o tipo de Babel a que a manipulação das palavras nos levou talvez seja o principal atributo desta série. Se suscita questões que assombram o Brasil, "República dos Juízes" não é feito para as responder. Parece que a ideia é lançar essas ideias.

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