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Filmes mostra de cinema

'Paterno', na Mostra de SP, sabe como narrar um bom drama burguês

Diretor do minimalista 'Eles Voltam' retorna com trama sobre arquiteto que se afunda em crises pessoais e profissionais

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Paterno

Avaliação: Ótimo
  • Quando: Na Mostra de SP: Espaço Itaú Frei Caneca, sábado (22), às 18h30; e Cineclube Cortina, 1º/11, às 19h
  • Classificação: Livre
  • Elenco: Marco Ricca, Fabiana Pirro e Gustavo Patriota
  • Produção: Brasil, França, 2022
  • Direção: Marcelo Lordello

Em "Eles Voltam", seu primeiro filme, Marcelo Lordello já introduzia a figura paterna como portadora da lei. Era ela que castigava seus filhos, devido a um pequeno delito, deixando as crianças no meio da estrada. Ironicamente, esse poder do pai é que permitiria a seus filhos —sobretudo à filha— conhecer um mundo de que em outras circunstâncias nunca tomaria parte.

Em "Paterno", a imagem do patriarca impositivo retorna com força. Enquanto esse pai agoniza num leito de hospital, o arquiteto Sergio se debate em várias frentes. Ele se desentende com o irmão a respeito de um arrojado projeto que tenta levar adiante e trabalha para comprar inúmeras casas no bairro modesto de Brasília Teimosa, onde sua empresa pretende investir em um grande empreendimento.

Marco Ricca em cena do filme 'Paterno', de Marcelo Lordello - Divulgação

Ainda investiga as secretas relações do pai com uma amante e tenta encaminhar o filho, que quer ver seguir na mesma profissão que ele, trabalhando na mesma empresa. No mais, Sergio se desentende com a mulher, seja por causa das tensões que suporta, seja por carregar os genes do patriarcalismo.

Em poucas palavras, Marcelo Lordello substitui o atrevido minimalismo de "Eles Voltam" por uma forma mais tradicional, em que acomoda sua análise detida da existência burguesa no Recife —não muito diferente, no mais, da existência burguesa em qualquer lugar do país, e talvez do mundo.

É uma espécie de fatalidade que toca essa existência. De uma juventude fácil e livre, inclusive para pensar, às responsabilidades com a herança que recebeu e com a que deve deixar.

A questão envolve também corrupção grossa, mas o arquiteto sabe que precisa sujar as mãos para que a empresa familiar continue. Com isso, o drama se desloca para a área social. A rigor, nunca saiu dela, mas entra com mais evidência. Falamos de, entre outras coisas, de comprar as casas dos pobres pelo menor preço possível, isto é, de explorar essa classe. Sergio faz seu papel de herdeiro, mas o contato com o filho o leva a recordar com nostalgia a própria juventude e a antiga rebeldia.

No presente, porém, o que vigora é a lei do pai.

O vasto feixe de questões significa em última análise que Lordello, ao menos provisoriamente, trocou o minimalismo pelo drama burguês. E o realiza com propriedade. O vasto número de personagens na trama é bem controlado —com exceção de uma moça que aparece no velório saída não percebi de onde e depois desaparece.

À parte isso, com a preciosa ajuda de um Marco Ricca discreto e eficaz, o filme capta as inúmeras nuances do drama que afeta a Sergio, prensado entre ser filho e ser pai, irmão mais novo, artista arquiteto cheio de ideais renegados e empresário de poucos escrúpulos na área da construção civil —ou seja, destruição de cidades.

De certa forma, "Paterno" compõe um retrato sutil e implacável de uma burguesia cuja grande especialidade parece ser produzir a infelicidade de si mesma e dos outros —os pobres, que explora ou eventualmente corrompe.

Tudo muito adequado. Mas será o caso de perguntar, apesar de todas essas virtudes, será "Paterno" um filme mais memorável do que "Eles Voltam"? "Paterno" parece uma espécie de prova de que Lordello é capaz de fazer bem um cinema dito normal. Sim, é capaz.

O tempo dirá onde, afinal, se situa esse cineasta que guarda certa semelhança com o seu protagonista, capaz de fazer um projeto original em maquete, mas que se conforma em seguir os passos determinados pelo pai e construir aqueles monstrengos que ocupam tão ostensivamente as praias recifenses.

Também é verdade que "Paterno" não é nenhum monstrengo, mas por ora dá a impressão de ser um passo atrás em relação à audácia prometida, dez anos atrás, por "Eles Voltam".

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