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'Friday Black' exacerba bizarrices do racismo em distopias tecnológicas

Contos de Nana Kwame Adjei-Brenyah imaginam parque temático com negros como alvos e clientes-zumbi de promoção

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Vanessa Oliveira

Jornalista, doutora em ciências sociais e professora de jornalismo das universidades Mackenzie e PUC, em São Paulo

Friday Black

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 69,90 (224 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria: Nana Kwame Adjei-Brenyah
  • Editora: Fósforo
  • Tradução: Rogério W. Galindo

Fã de ficção científica, o escritor americano de raízes ganenses Nana Kwame Adjei-Brenyah ostenta uma lista eclética de influências, de "Harry Potter" a Alice Walker, autora negra do best-seller "A Cor Púrpura".

Nos 12 contos de "Friday Black", Adjei-Brenyah utiliza esse vasto repertório para dilatar o absurdo de casos reais de violência nos Estados Unidos para esfregar na cara de quem lê o grau de apatia a que somos conduzidos pela profusão diária de situações extremas. E a carnavalização do grotesco permite ao autor imaginar reações até razoáveis para o insólito da vida real.

O escritor americano Nana Kwame Adjei-Brenyah, autor do livro 'Friday Black' - Alex M. Philip/Divulgação

Dono de uma escrita sólida e ousada, Adjei-Brenyah entrega um olhar inteligente sobre as contradições de viver em um mundo desenvolvido, rico e tecnológico; mas, ao mesmo tempo, precário, cínico e incivilizado.

Uma ótima contribuição ao debate —ora tecnofóbico, ora demasiado romântico— sobre as novas ferramentas de inteligência artificial e suas possibilidades de nos mostrar caminhos para outros mundos possíveis (ainda que não necessariamente desejáveis).

Qual o lugar do negro nas histórias fantásticas? Quais as utopias necessárias e as distopias inevitáveis? É possível imaginar um futuro sem racismo em um mundo erodido pelo capitalismo?

Capa do livro de contos 'Friday Black', do americano Nana Kwame Adjei-Brenyah - Divulgação

Para instigar a reflexão, ele escreve sobre uma revolta silenciosa que se organiza depois de um júri popular absolver um homem branco que decapitou cinco crianças negras, alegando legítima defesa; o consumismo de clientes-zumbis em uma Black Friday; personagens que sofrem os efeitos de uma bomba nuclear e ficam presos a um loop de violência exacerbada; e uma espécie de parque temático onde brancos em busca de adrenalina podem atirar contra pessoas negras que encenam situações de conflito.

Ressalvada a sensação estranha que causa um capítulo sobre aborto, perturbadoramente moralista, todos os contos têm méritos inegáveis, tanto do ponto de vista estético quanto em termos de conteúdo. A coletânea venceu o prêmio PEN/Jean Stein Book e fez de Adjei-Brenyah um dos cinco autores com menos de 35 anos laureados da National Book Foundation.

Para a diáspora brasileira, que assume o absurdo como efeito colateral da própria sobrevivência, o livro é um tecer de paralelos sem fim. Nosso presente distópico martela a memória, conforme se avança pelos contos.

Não há como escapar da imagem da ex-primeira-dama da cidade pernambucana de Tamandaré, Sarí Corte-Real, fazendo as unhas displicentemente enquanto o filho da empregada, Miguel, de cinco anos —que estava sob seus cuidados— despencava do nono andar.

Ou do corpo do trabalhador infartado Moisés Santos coberto com guarda-sóis e caixas de cerveja para não interromper o expediente de um Carrefour do Recife. Ou ainda dos pés de Genivaldo Santos se agitando freneticamente enquanto policiais o asfixiavam em uma viatura transformada em câmara de gás. Difícil saber se o mais bizarro está dentro ou fora das páginas.

Como as vítimas do racismo no mundo real, os personagens de Adjei-Brenyah estão "ativamente conscientes de que a liberdade é algo que lhes é negado", como disse o próprio autor em entrevista ao blog de literatura Rumpus.

Ele se soma a outras vozes negras críticas dos Estados Unidos —país de onde saem tantos artistas e personalidades que o sul global admira, consome e imita—, que têm tratado de problemas comuns a toda a diáspora e denunciado os limites da inclusão liberal e sua capacidade de construir perspectivas de igualdade para corpos racializados.

Da série "Atlanta" a "Friday Black", passando pelo já consagrado "Corra!", de Jordan Peele, é muito bem-vindo esse novo realismo fantástico americano, capaz de exacerbar a violência do opressor e mapear, em fantasia concreta, os escassos recursos do oprimido.

Ao olhar para o mundo em toda a sua crueza, Nana Kwame Adjei-Brenyah começa a delinear —com literatura, mas sem romantismo— maneiras de usar a distopia para a enfrentar.

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