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Descrição de chapéu São Paulo

Como mostra sobre Paulo Vanzolini tenta decifrar o 'cientista boêmio'

Compositor de sambas e zoólogo, que faria cem anos, foi uma utopia realizada de Brasil, afirma a curadora Daniela Thomas

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São Paulo

Para Daniela Thomas, Paulo Vanzolini é "o século 20 encarnado". A cineasta assina a curadoria da exposição "O Cientista Boêmio", que marca o centenário de Vanzolini, morto em 2013. A mostra acaba de abrir no Sesc Ipiranga, em São Paulo, e fica em cartaz até o mês de março.

"Amava a natureza, dizia que a sustentabilidade da Amazônia era deixá-la com os indígenas, era desapegado de bens materiais, um dos mais importantes zoologistas do mundo", ela diz. Vanzolini também compôs dezenas de sambas, gravados por gente como Maria Bethânia e Chico Buarque.

Paulo Vanzolini a bordo do barco Garbe em expedição pela Amazônia em 1975 - Acervo

A exposição, idealizada por filhos do cientista, Toni Vanzolini e Maria Eugênia Vanzolini, o decifra em suas várias facetas no Sesc Ipiranga —que fica a poucos metros do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, onde Vanzolini trabalhou por cinco décadas, três delas como diretor.

Um dos espaços é a recriação de uma Kombi que "vivia quebrada", segundo a curadora, na qual ele fazia expedições, com fotos e trechos dos diários do cientista, quase sempre com seu charuto. "Ele chegava nos lugares e pedia a crianças locais para trazerem animais vivos em troca de dinheiro. A molecada fazia fila."

Em outra sala, há uma maquete do Rio Madeira, onde Vanzolini fez uma expedição na Amazônia em 1975, no barco Garbe. A embarcação foi uma conquista de Vanzolini junto ao poder público —cujo dinheiro, diz Thomas, ele fazia questão de fazer render.

"Achava que era desperdício de dinheiro público, por exemplo, dormir em lugar decente, então dormia em posto de gasolina, nos lugares mais bizarros —e obrigava os parceiros a fazerem o mesmo."

Na sala da maquete, estão expostos telas e trechos do diário escrito pelo artista plástico José Cláudio da Silva, que acompanhou Vanzolini. A paixão pelo desenho, diz Thomas, é uma marca do legado do cientista, que costumava levar artistas nas expedições.

A mostra recria o laboratório onde Vanzolini trabalhava, com vasos e animais. É onde dá para ter dimensão de uma das criações mais importantes do cientista, uma teoria que une geografia e biologia para determinar espécies.

"Ele desenvolveu uma teoria pós-darwiniana de que existe outra forma de desenvolvimento de espécies. Descobriu que na Amazônia existem habitats como se fossem ilhas de florestas, que ficam separadas em épocas de seca. Então, por exemplo, o mesmo lagarto aqui e ali se desenvolve de maneiras diferentes. Quando volta a ter uma era úmida, a floresta se junta e eles já não acasalam mais. Ele é reconhecida no mundo por ser um evolucionista moderno."

A curadora conta que Vanzolini se interessou por répteis aos dez anos, numa visita ao Instituto Butantan. Fez faculdade de medicina e depois estudou em Harvard, nos Estados Unidos, antes de voltar ao Brasil para as expedições, o trabalho no museu, em laboratório, e como professor.

Numa época precária para as expedições nas florestas, ele dependia de coragem e um certo desprendimento. "Dizia que nunca viu onça no mato, e queria morrer num encontro com uma onça", diz Thomas.

O espaço mais imersivo é a recriação de uma caminhada pela Amazônia. Além dos desenhos de plantas, há uma trilha sonora feita com sons de dezenas de animais. A biodiversidade desse bioma, tema de fascínio para o cientista, é dimensionada em dados.

Vanzolini era um homem espirituoso, algo perceptível numa sala coberta por frases dele, além de trechos em vídeo de entrevistas. Ele diz que não gostava de "Ronda", uma de suas composições mais conhecidas, mas valorizava "Volta Por Cima", seu maior sucesso.

"Aos 20 e poucos anos, circulava pela noite e encontrava Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Emílio Sales Gomes, Antonio Candido. Era fascinado por São Paulo e amava que essas pessoas conversavam com ele de igual para igual."

O cientista compunha no boteco, cantando os versos para sambistas, já que não sabia tocar nenhum instrumento. Ele se apaixonou pelo samba ouvindo músicas do Rio de Janeiro no rádio, antes de conhecer a vertente feita em São Paulo do gênero musical.

Esse ambiente do botequim ocupa uma sala, que também tem vídeo e áudio de intérpretes cantando suas composições. Os nomes das músicas que ele fez surgem em quadros típicos dos bares paulistanos do século passado.

Para Thomas, o cientista boêmio —definição de Antonio Candido— pensou e realizou um Brasil original e inclusivo. Foi um braço da ciência, e um contribuinte de luxo do samba, desse ideário que passa por literatura, música, arquitetura, cinema e futebol.

"Ele é uma utopia realizada", diz a curadora. "Era um país novo, e era preciso inventá-lo —ele não estava dado. Até então, era gente era uma sub-França, e depois virou um sub-Estados Unidos. Nesse meio tempo, houve esse momento de conceber e ativar um Brasil, viajar para dentro dele."

"Quando terminou o doutorado em Harvard, Paulo queria fazer pesquisas em que o fato de ele ser brasileiro fosse determinante. ‘Não quero fazer pesquisas com maquinário caríssimo e aparatos incríveis. Quero que meu conhecimento sobre meu país me dê tudo o que preciso para poder levar [a ciência] adiante’."

100 anos Paulo Vanzolini, o cientista boêmio

Avaliação:
  • Quando: Ter. a sex., das 9h às 21h30; sáb., das 10h às 20h; dom. e feriados, das 10h às 18h30. De 28 de agosto a 16 de março de 2025
  • Onde: Sesc Ipiranga - r. Bom Pastor, 822, Ipiranga
  • Preço: Grátis
  • Classificação: Livre

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