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Descrição de chapéu senado

Com reformas travadas, governo aposta em ações laterais para aliviar a dívida

Transferências do BC e de bancos públicos ao Tesouro e venda de ativos são apontados como alternativa

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Brasília

Com reformas estruturais travadas no Congresso, o governo aposta em mecanismos extraordinários para diminuir uma dívida pública que deve encerrar o ano perto de 95% do PIB (Produto Interno Bruto) por causa dos gastos com a pandemia de Covid-19.

Sem os choques de longo prazo das reformas tributária e administrativa, que poderiam melhorar a confiança de investidores e eventualmente atrair recursos para o país, e com a demora na tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, o governo já se prepara para usar artifícios laterais que têm um impacto muito mais tímido nas contas públicas.

Em audiência pública na comissão mista no Congresso que acompanha as ações para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou em novembro que o governo vinha derrubando a relação dívida/PIB até o início da pandemia do novo coronavírus.

"Pois nós vamos derrubar de novo. Nós vamos derrubar de novo, seguindo os mesmos métodos", afirmou. "Nós vamos desinvestir. Nós vamos privatizar. O Banco Central, enquanto estiver fazendo transferências, continua fazendo transferências. Nós vamos desalavancar os bancos públicos."

Com exceção das privatizações, que não são consenso dentro do governo e, pelo menos no caso da Eletrobras, ficaram mais distantes após a série de apagões no Amapá, algumas das medidas devem sair do papel e aliviar o endividamento. O plano de Guedes também prevê a venda de imóveis da União.

Especialistas alertam, no entanto, que ações desse tipo são pontuais, servem apenas para que o governo ganhe um fôlego e não dispensam a implementação de reformas estruturantes e medidas de ajuste fiscal efetivo.

Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.mai.05/2017/Reuters

Após devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro no ano passado e interromper a transferência por causa da pandemia, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) negocia retomar as devoluções em 2021.

A Caixa também tem de pagar mais da metade dos R$ 43 bilhões que pegou de instrumentos híbridos de capital e dívida.

Outro ponto de apoio são as transferências do Banco Central ao Tesouro.

Em agosto, o CMN (Conselho Monetário Nacional) autorizou repasse de R$ 325 bilhões do lucro com operações cambiais do Banco Central ao Tesouro. O valor só pode ser usado para gerenciar a dívida pública.

Guedes vem sinalizando que esses recursos continuarão sendo transferidos do BC ao Tesouro.

Ainda no universo do Banco Central, o ministro aventou a possibilidade de usar reservas internacionais para abater a dívida. Segundo dados do BC, em 25 de novembro o saldo era de US$ 355,8 bilhões.

O diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) Josué Pellegrini afirma que as medidas extraordinárias só fazem sentido se forem complementares a reformas estruturantes, que normalmente levam tempo para gerar impacto nas contas públicas.

O economista compara a situação vivida pelo governo a uma família endividada. Se o chefe dessa família vender alguns de seus bens, mas continuar gastando muito, a dívida vai cair no curto prazo, mas o problema continuará existindo.

"No contexto atual do Brasil, eu não vejo que medidas estejam sendo tomadas para surtir efeito e recuperar o superávit primário para controlar a dívida. Estariam ganhando tempo, não se sabe muito bem para que", disse.

Pellegrini afirma que a venda de ativos do governo não gera impacto fiscal relevante, especialmente quando se observa a resistência do Congresso a autorizar a venda de estatais de grande porte, como a Eletrobras.

O economista ressalta que a venda de reservas não é uma opção do governo, mas sim uma decisão exclusiva do BC. "Quando o BC vende reservas, de fato há uma redução da dívida pública, mas não é uma decisão de reduzir a dívida, é um efeito colateral de uma decisão de política cambial", afirmou.

Segundo ele, as atenções dos agentes de mercado estão focadas na capacidade de o governo fazer reformas fiscais, sendo esse um importante fator para a trajetória de juros, câmbio e inflação.

Para o economista, a simples venda de ativos desacompanhada de reformas pode surtir efeito contrário, passando a mensagem de que o governo está "queimando" bens para bancar gastos.

As incertezas em relação às perspectivas fiscais fizeram os investidores ficarem mais cautelosos, buscando títulos públicos de menor prazo e exigindo remuneração mais alta nos últimos meses.

Esse cenário se somou à disparada da dívida pública, por causa da expansão de gastos na pandemia, e ao salto na inflação, que também pressiona a dívida e tende a provocar uma elevação dos juros se a alta dos preços persistir.

A junção dos fatores leva a uma preocupação, inclusive dentro do Ministério da Economia, de que o governo pode ter dificuldade de rolar sua dívida.

Para acalmar o mercado, Guedes afirmou na semana passada que a situação está sob controle e citou as medidas extraordinárias ao explicar a estratégia do governo.

Em videoconferência, o ministro afirmou que, dos R$ 600 bilhões em títulos públicos a vencer nos primeiros quatro meses de 2021, metade já está garantida pelo governo.

Segundo ele, R$ 200 bilhões virão de transferência de lucro do Banco Central para o Tesouro. Outros R$ 100 bilhões terão origem na devolução de recursos de bancos públicos à União.

"Não achamos que estamos em uma situação dramática. Se nossas reformas avançarem, isso vai acontecer com muita tranquilidade", disse.

Para os trabalhos no Congresso, técnicos da equipe econômica elencaram algumas propostas em uma pauta considerada prioritária.

Na área de produtividade, defendem a votação ainda neste ano de projetos considerados menos polêmicos, como os marcos regulatórios do gás e de cabotagem.

Na área fiscal, a avaliação é que seria importante avançar com a PEC Emergencial. É dentro dela que o governo tenta encaixar o Renda Brasil, programa que busca substituir o Bolsa Família, marca de gestões petistas. Porém ainda não há acordo sobre a proposta e a votação pode ficar para 2021.

A maior dificuldade tem sido encontrar uma fonte de financiamento que permita ampliar o número de beneficiários do programa.

A principal aposta para este ano, considerada mais factível, é o projeto de lei complementar que libera R$ 177 bilhões para aliviar o endividamento.

De autoria do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), o texto propõe usar o saldo do superavit financeiro de 29 fundos públicos para compensar parte da queda da arrecadação da União e melhorar a trajetória da dívida pública.

Segundo Benevides Filho, a intenção foi encontrar fontes de recursos para dar ao governo a capacidade de arcar com os programas de auxílio que precisou implementar para enfrentar a pandemia.

"Em vez de ir ao mercado e vender título público, ele vai pagar dívida pública com os recursos dos fundos", disse.

No Congresso também estão os principais entraves ao governo no momento, entre eles a votação do Orçamento de 2021. A disputa pela sucessão à Presidência da Câmara travou a instalação da CMO (Comissão Mista de Orçamento).

Sem um acordo, é possível que a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) seja votada neste mês diretamente no plenário, enquanto a LOA (Lei Orçamentária Anual) ficaria para depois de fevereiro, quando a sucessão presidencial na Câmara já estará resolvida.

Até lá, a PEC Emergencial pode ser aprovada e promulgada, o que abriria espaço no apertado Orçamento de 2021, que tem R$ 96,1 bilhões de gastos discricionários (não obrigatórios).

Desse valor, apenas R$ 28,7 bilhões foram reservados para investimento, enquanto cresce no governo a pressão para o aumento dos gastos com obras.


A pauta econômica em discussão

PEC Emergencial

O que é
Prevê o acionamento de gatilhos de ajuste fiscal para controlar os gastos do governo, retira amarras do Orçamento e pode prever a criação de um novo programa social

Situação
Travada no Senado desde 2019, a proposta está em discussão entre líderes partidários, mas ainda não há acordo sobre dispositivos do texto

Renda Brasil

O que é
Programa social com o qual o governo Bolsonaro quer substituir o Bolsa Família

Situação
Há um impasse sobre a fonte de financiamento que permitiria ampliar o número de beneficiários. Sem recursos no Orçamento, líderes governistas e congressistas tentam cortar gastos e subsídios, para abrir espaço para o programa

Desvinculação dos fundos públicos

O que é
Projeto propõe usar o saldo do superavit financeiro de fundos públicos para compensar parte da queda da arrecadação da União e melhorar a trajetória da dívida pública

Situação
Tramita na Câmara, no mesmo texto que concede ajuda a estados e municípios. Deputados articulam votação ainda neste ano

Teto de gastos

O que é
Instrumento que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior

Situação
Há pressão para que o governo flexibilize o mecanismo, para que possa ampliar investimentos em obras e programas sociais. Se isso ocorrer, no entanto, são grandes as chances de aumentar a desconfiança dos investidores em relação ao comprometimento fiscal do governo

Autonomia do Banco Central

O que é
Projeto estabelece a independência de atuação da autoridade monetária, com mandato fixo para o presidente e diretores

Situação
Aprovado pelo Senado em novembro, depende de análise da Câmara. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o projeto não é urgente

Lei de Falências

O que é
Projeto de lei que facilita a recuperação judicial de empresas em dificuldades e que melhora o acesso dos devedores a financiamentos

Situação
Aprovado na Câmara e no Senado, depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro

BR do Mar

O que é
Projeto que facilita a cabotagem (navegação entre portos brasileiros)

Situação
Governo enviou projeto com urgência. Atualmente, está travando a pauta de votação da Câmara, e ainda não há acordo para votação do texto. Maia já se referiu à proposta como “cortina de fumaça”.

Lei do Gás

O que é
Projeto que estabelece mudanças na regulação do mercado de gás e acaba com a exclusividade dos estados na distribuição

Situação
Câmara aprovou o projeto em setembro, mas Senado até agora não apreciou o texto

Reforma administrativa

O que é
Altera a estrutura do serviço público, com mudanças nas regras de contratação, fim da estabilidade na maioria das carreiras e extinção de penduricalhos

Situação
PEC está parada na Câmara

Reforma tributária

O que é
Reestrutura o sistema de cobrança de impostos, podendo unificar tributos e criar cobrança sobre dividendos. Governo ainda quer desonerar encargos trabalhistas, criar um imposto sobre transações financeiras e reformular o Imposto de Renda

Situação
Comissão mista do Congresso discute propostas apresentadas por parlamentares. Governo enviou apenas a primeira etapa de sua reforma, com unificação de Pis e Cofins. Não há previsão para votação

Privatizações

O que é
Governo quer autorização do Congresso para privatizar Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA em 2021

Situação
Discussão está travada e não há perspectiva de análise no Legislativo

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