Ombudsman vê erro em acordo com Mercosul; para consultoria, texto só anda em 2023
Órgão avaliador diz que UE deveria ter esperado relatório de impacto; Bolsonaro e política europeia devem adiar tramitação, preveem analistas
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A Comissão Europeia “incorreu em má administração” ao não esperar a conclusão do estudo de impacto para finalizar as negociações do acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia, afirmou a ombudsman da UE, Emily O’Reilly.
O caso estava sendo analisado desde julho do ano passado, após queixa apresentada por cinco entidades ambientais. As negociações entre os dois blocos se encerraram em junho de 2019, e o relatório preliminar de impacto —encomendado à London School of Economics— foi divulgado em fevereiro de 2020.
Uma nova versão foi atualizada em julho do ano passado.
No processo, cinco entidades —ClientEarth, Fern, Veblen Institute, FIDH e Fondation pour la Nature et l’Homme— pediam que o processo de ratificação do acordo fosse interrompido até que houvesse análise detalhada dos impactos estimados e planos para mitigar eventuais efeitos negativos nas áreas social, econômica e ambiental.
Em sua conclusão a ombudsman não menciona consequências para o documento já negociado. Pede apenas que a Comissão mude sua conduta em negociações futuras.
Os processos de investigação encaminhados pela ombudsman não são vinculativos, mas as recomendações da instituição, que é independente dos outros órgãos da UE, costumam ser levadas em conta pelas entidades do bloco.
A ratificação do acordo, de qualquer forma, não avançou desde que as entidades entraram com a queixa.
O texto continua em revisão legal, fase preliminar em que detalhes são acertados. A previsão inicial era que essa fase durasse alguns meses, mas sua conclusão vem sendo protelada desde que caiu a confiança em relação à política ambiental do governo Jair Bolsonaro e cresceram os índices de desmatamento no Brasil.
Em análise divulgada nesta sexta, a consultoria de avaliação de risco Eurasia estimou que o processo fique parado mais dois anos.
"A oposição ao acordo comercial UE-Mercosul está ganhando impulso em toda a Europa devido às preocupações ambientais, o que efetivamente empurrará sua adoção potencial até 2023", escreveram os analistas.
Segundo eles, Bolsonaro não deve mudar de posição em relação ao desmatamento na Amazônia e a incêndios florestais, o que continuará a alimentar a resistência europeia.
"A ascensão política dos verdes em toda a UE e a postura climática dura da França tornarão a ratificação impossível até depois das eleições no Brasil em outubro de 2022", dizem.
Quando a revisão legal estiver concluída, o acordo terá que ser traduzido para todas as línguas da UE e do Mercosul e submetido à avaliação do Parlamento Europeu e do Conselho (que reúne os líderes dos 27 membros).
Uma ratificação definitiva só virá depois que todos os parlamentos nacionais e regionais aprovarem o acordo —a recusa em um deles levaria as negociações à estaca zero.
A Comissão Europeia, Poder Executivo da UE que negociou o acordo e é responsável por sua redação e encaminhamento, tem procurado soluções técnicas e políticas para permitir sua aprovação.
Em resposta à decisão da ombudsman, a Comissão afirmou que não havia requisito explícito ou juridicamente vinculativo em relação ao relatório de impacto, e que ele não foi possível esperar sua conclusão "devido à natureza imprevisível do processo e ao momento das negociações".
O órgão disse que pretende "abordar as questões pendentes identificadas pelo relatório final" e apresenta como forma de fazer isso "o envolvimento contínuo da UE com o Mercosul em compromissos adicionais de sustentabilidade (SIA)".
"Os SIAs são uma ferramenta crítica para garantir que os acordos comerciais da UE respeitem os padrões econômicos, sociais e ambientais. (...) Novo processo já foi aplicado para SIAs nas negociações comerciais da Austrália e Nova Zelândia", diz o texto.
Perrine Fournier, da Fern Trade e Forest, afirmou que as avaliações de impacto apontam para um aumento no consumo de carne bovina, soja e etanol, “intensificando a pressão sobre as florestas que fazem fronteira com as terras das comunidades indígenas”.
Argumentando que não há garantias contra esse risco, países como a França, a Áustria e a Holanda têm afirmado que não vão aprovar o acordo como Mercosul.
Em pronunciamento neste mês, o governo austríaco se mostrou contrário inclusive aos compromissos adicionais mencionados como solução pela comissão.
Outros europeus, como Portugal, defendem que o tratado seja ratificado para impulsionar a retomada do bloco após a crise provocada pela pandemia de Covid-19.
A Comissão Europeia afirmou que continua "fortemente comprometida com um processo de negociação transparente e inclusiva com o envolvimento próximo da sociedade civil".
Já para Amandine van den Berghe, reponsável por comércio e ambiente da ClientEarth, as discussões estão sendo feitas “a portas fechadas, sem qualquer oportunidade para a sociedade civil ou o Parlamento Europeu se envolverem de forma significativa”. “Isso corrói profundamente a confiança do público no processo”, disse.
“Com esta decisão, está claro que a Comissão deu pouca consideração a fatores não econômicos ao negociar o acordo”, afirmou Van der Berghe.
“Quase dois anos após o final das negociações, ainda estamos aguardando o relatório final sobre a avaliação do impacto da sustentabilidade e a Comissão explicar os resultados”, disse ela.
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