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Guerra na Ucrânia Rússia

Sanções à economia da Rússia podem desestabilizar mercado financeiro

Evitar formação de blocos econômicos rivais passa por manter dólar no centro do sistema financeiro internacional

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Robin Harding

Editor do Financial Times na Ásia

Financial Times

Durante a Guerra da Crimeia, de 1854 a 1856, Grã-Bretanha, França e Rússia travaram batalhas selvagens no território da atual Ucrânia.

Centenas de milhares de pessoas morreram de ferimentos ou doenças. No entanto, ao longo de tudo isso, o Tesouro britânico continuou pagando suas dívidas ao governo czarista, e a Rússia continuou pagando juros aos detentores britânicos de sua dívida soberana.

De acordo com a nova história das sanções de Nicholas Mulder, "The Economic Weapon" [A arma econômica], um ministro britânico declarou ser óbvio para as "nações civilizadas" que as dívidas públicas devem ser pagas a um inimigo durante a guerra.

Os tempos mudaram. Em resposta à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, os Estados Unidos e seus aliados proibiram negociações com o governo russo, expulsaram bancos russos selecionados do sistema de pagamentos Swift e congelaram os ativos do banco central da Rússia.

Homem usa o celular em frente a uma casa de câmbio em São Petesburgo, na Rússia - Anton Vaganov-28.fev.22/Reuters

Em vez de pagar dívidas ao inimigo, a resposta padrão hoje é paralisar a economia do agressor –mesmo que você não esteja envolvido na luta.

Congelar as reservas do Banco Central da Rússia foi um ato particularmente inesperado, implacável e eficaz. Ele despojou Moscou dos meios para estabilizar sua moeda. O rublo entrou em colapso. Mas o uso de uma sanção tão poderosa levantou temores de consequências imprevistas para o sistema financeiro internacional. Se as reservas do seu banco central baseadas em dólares podem ser congeladas quando você mais precisa delas, então qual é a utilidade de mantê-las?

Isso, por sua vez, reacendeu uma velha discussão: o dólar americano corre o risco de perder o lugar de moeda de reserva mundial? Embora o congelamento da Rússia estimule aqueles que gostariam de oferecer uma alternativa –principalmente a China, por meio da internacionalização de sua moeda, o renminbi–, é improvável que eles suplantem o dólar. A maior ameaça é a fragmentação de um sistema financeiro que, embora imperfeito, permite que todos prosperem juntos.

Zoltan Pozsar, do Credit Suisse, argumenta que o congelamento do banco central marca a morte do sistema pós-Bretton Woods, nascido depois que Richard Nixon tirou os EUA do padrão-ouro em 1971, e o início de uma nova ordem monetária "centrada em torno de moedas baseadas em commodities no leste". Se seus dólares podem desaparecer ao capricho do emissor, seguindo a lógica, uma reserva precisa existir fora do sistema financeiro baseado em dólares.

Os US$ 3,2 trilhões (R$ 16 trilhões) em reservas cambiais da China, o maior estoque do mundo, de repente parecem mais uma fraqueza do que uma força. Somente tornando-se um emissor, em vez de detentor de reservas, Pequim pode tomar para si parte do poder financeiro dos Estados Unidos. A maneira de fazer isso é persuadir os outros a deter renminbis.

O dólar será difícil de superar, entretanto. O poder da principal potência econômica e militar do mundo garante que os títulos do Tesouro dos EUA permaneçam estáveis em uma crise; o Federal Reserve garante que eles são líquidos. Durante qualquer tipo de turbulência econômica, eles são o ativo que um banco central deseja deter. De fato, se a Rússia estivesse sofrendo um desastre natural ou um colapso inesperado nas exportações, as reservas em dólares também seriam exatamente o que ela desejaria.

As alternativas têm seus próprios defeitos. A Rússia tem muito ouro. O problema é a liquidez: que banco hoje emprestará moeda estrangeira contra a segurança do ouro num cofre de banco de Moscou? Com o tempo, a Rússia poderá vender algum ouro para países amigos, mas, na verdade, o mercado já fez seu julgamento: não acredita que as reservas de ouro da Rússia possam sustentar o rublo.

A criptomoeda pode ser valiosa para indivíduos russos agora. Como forma de tirar dinheiro do país, é anônimo e portátil. Mas para as reservas a criptomoeda tem pouca utilidade: ela é negociada como um ativo arriscado, caindo em períodos de estresse, e quase toda a liquidez está nas exchanges, onde o efeito das sanções será tão duro quanto com dólares.

Isso deixa a possibilidade de uma moeda rival, mais obviamente o renminbi, que fosse interessante para países amigos da China, como a Rússia, ou para aqueles que temem a censura americana. Mas Pequim poderia usar sanções tão facilmente quanto Washington. Para muitos outros países, incluindo grandes detentores de reservas na Ásia, estar à mercê financeira da China seria ainda menos interessante do que dos EUA.

O risco, então, é de fragmentação. Em seu livro, Mulder mostra que o aumento das sanções econômicas e do bloqueio durante os anos entre guerras como ferramenta para impor a paz impulsionou as políticas autárquicas na Alemanha nazista e no Japão imperial, acabando por desestabilizar o sistema internacional, em vez de fortalecê-lo. O mundo vem flutuando há vários anos em direção à formação de blocos econômicos rivais. Uma maneira de evitar isso é manter o dólar no centro do sistema financeiro internacional.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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