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BC vê debate sobre meta de inflação como um dos motivos para piora das expectativas, mostra ata

Política fiscal expansionista e 'percepção de leniência' também podem ter afetado as projeções, afirma Copom

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Brasília

Com "especial preocupação" diante da piora nas expectativas de inflação, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central analisou os efeitos de uma eventual mudança na meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e de uma política fiscal expansionista, conforme ata divulgada nesta terça-feira (7).

"Tal deterioração [de inflação de prazos mais longos] pode ter ocorrido por diversas razões, destacando-se, dentre esses fatores, uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional, uma política fiscal expansionista, que pressione a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas", afirma a autoridade no documento.

Diretores participam de reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central - Raphael Ribeiro - 4.mai.22/Divulgação/BC

Nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou publicamente as metas de inflação fixadas para os próximos anos —os alvos são 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com margens de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

O petista também tem reclamado dos juros elevados e atacado o presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem chamou de "esse cidadão" na semana passada. A autonomia da instituição, aprovada em lei em 2021, é outro alvo de questionamento.

Para aliados, Lula tem tentado forçar a autoridade monetária a reduzir a Selic em breve. As críticas do presidente à condução do BC, porém, têm elevado as projeções de inflação e pressionado os juros, gerando um efeito contrário ao pretendido pelo governo.

Por outro lado, o colegiado do BC afirmou na ata que, embora só trabalhe em seus cenários com políticas já implementadas, a execução do pacote que promete uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões, anunciado pelo ministro Fernando Haddad (PT) em 12 de janeiro, poderia reduzir a pressão sobre a inflação.

A percepção de alguns economistas é que isso pode representar o "hasteamento de uma bandeira branca pelo BC". Tony Volpon, ex-diretor da instituição, escreveu em suas redes sociais que um esforço de comunicação em conjunto com a ata pode talvez evitar "a perigosa crise" que estava sendo contratada.

Na última quarta-feira (1º), o BC manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião desde que Lula tomou posse.

Sobre a percepção de complacência do BC, a autoridade monetária reafirmou seu compromisso para atingir as metas. "[O BC] avalia que, uma vez observada a desancoragem [piora da percepção dos analistas do mercado financeiro], é necessário se manter ainda mais atento na condução da política monetária para reancorar as expectativas e assim reduzir o custo futuro da desinflação", acrescentou.

Quanto à política fiscal expansionista, o colegiado ponderou que a avaliação dos estímulos de demanda deve considerar o estágio do ciclo econômico e o grau da ociosidade na economia, enfatizando que a política de juros é o instrumento usado para mitigar possíveis efeitos inflacionários.

Com relação à eventual mudança nas metas de inflação, o BC não se aprofundou sobre a questão central e disse que "mais importante do que a análise das motivações para a elevação das expectativas, o comitê enfatiza que irá atuar para garantir que a inflação convirja para as metas".

O ministro da Fazenda classificou o documento divulgado pelo BC nesta terça como "mais amigável. "A ata do Copom veio melhor do que o comunicado. Uma ata mais extensa, mais analítica, colocando pontos importantes sobre o trabalho do Ministério da Fazenda. Uma ata mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados", afirmou.

Na véspera à noite, Haddad tinha dito que a autoridade monetária poderia ter sido "um pouco mais generosa" após as medidas anunciadas pela gestão petista para melhorar as contas públicas. Segundo ele, os alertas do BC sobre a situação fiscal referem-se, sobretudo, ao legado deixado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para a atual administração

Na ata, o Copom trouxe uma avaliação positiva sobre o pacote apresentado pela equipe econômica do governo Lula.

"Alguns membros notaram que as medianas das projeções de déficit primário do Questionário Pré-Copom (QPC) e da pesquisa Focus para o ano de 2023 são sensivelmente menores do que o previsto no orçamento federal, possivelmente incorporando o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda", disse.

"O Comitê manteve sua governança usual de incorporar as políticas já aprovadas em lei, mas reconhece que a execução de tal pacote atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação", acrescentou.

Em outro trecho do documento, o BC voltou a citar o conjunto de medidas, dizendo que "será importante acompanhar os desafios na sua implementação".

Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, vê a menção do BC ao pacote fiscal do governo como um "gesto diplomático".

"Parece uma ata equilibrada, foi um gesto educado, foi um gesto diplomático, mas não me parece que foi uma conclusão técnica porque o pacote, no meu entender, é relativamente fraco e vamos ver como vai ser a implementação", disse.

O economista também ressalta o silêncio do colegiado sobre as políticas parafiscais –movidas pelo governo, mas que não entram em sua contabilidade– expansionistas.

"Do ponto de vista da política quase fiscal, todas as indicações em relação a crédito –seja de Caixa, Banco do Brasil, BNDES, Banco do Nordeste– parecem ir no sentido contrário, de uma expansão significativa do crédito a taxas subsidiadas. Nesse sentido, parece que o trem está indo na direção oposta e o Banco Central não sinalizou isso", afirmou.

No tema fiscal, o BC alertou para os riscos em torno da regra que substituirá o teto de gastos. "A revisão do arcabouço fiscal diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos e introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação", afirmou.

O Copom disse ainda que seguirá acompanhando o impacto dos estímulos fiscais sobre a atividade econômica e a inflação. Na ata, o comitê chama atenção para desaceleração da atividade, do crédito e do mercado de trabalho.

Para Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, a ata reforça a intenção do BC de seguir mantendo a Selic no atual patamar de 13,75%, ajustando seus próximos passos em função da conjuntura atual. Ele não projeta corte de juros antes do quarto trimestre deste ano.

"Nesse momento, a sinalização é um espaço menor para cortar juros, ou seja, vai demorar mais tempo, esse processo de flexibilização da política monetária lá na frente, quando acontecer, talvez seja ainda mais lento do que se imaginava".

O economista ressalta também que o documento ajuda a reduzir eventuais ruídos deixados pelo comunicado divulgado após a decisão do Copom, pois dá espaço para a autoridade monetária discorrer sobre suas visões.

"Faz sentido que ele queira explicar mais, ele está fundamentando essas visões, tecnicamente justifica para o BC ter feito uma ata mais detalhada, bem longa e com bastante mudanças", afirmou.

No comunicado, o colegiado do BC tinha subido o tom com alertas sobre as incertezas fiscais e a piora nas expectativas de inflação, que estão se distanciando da meta em prazos mais longos. O comitê também sinalizou que pode deixar os juros no patamar atual por mais tempo –o mercado financeiro prevê para setembro o início do afrouxamento monetário.

Os recados provocaram um aumento de tensão na relação da autoridade monetária com o governo, gerando uma escalada nas críticas disparadas pelo presidente Lula contra o BC.

Durante a posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro, na segunda (6), Lula disse que a atual taxa básica de juros do país é "uma vergonha".

"Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50% [o patamar da Selic está, na verdade, em 13,75%]. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro", afirmou.

Para aliados do Planalto, Campos Neto queimou pontes com o governo petista e reduziu suas chances de influenciar a indicação de novos diretores da autarquia –a lei da autonomia dá a prerrogativa ao presidente da República. A próxima troca está prevista para 28 de fevereiro, quando terminam os mandatos de dois integrantes.

Ainda na ata, alguns membros do colegiado do BC levantaram a hipótese de incorporar alguma elevação da taxa neutra de juros –que hoje é de 4%–, em direção ao movimento observado nas expectativas do mercado financeiro extraídas da pesquisa Focus. Mas a autarquia optou por manter o nível atual.

"[O comitê] identificou que os impactos de uma elevação da taxa neutra sobre suas projeções crescem no tempo e passam a ser mais relevantes a partir do segundo semestre de 2024", disse.

Na prática, a elevação do patamar da taxa neutra –aquela que não contrai nem estimula a economia– obrigaria o BC a dar uma dose adicional de juros para conseguir reduzir o nível de atividade econômica e frear a inflação até levá-la para seu objetivo.

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