Pobreza dá salto na Argentina; Folha reencontra morador de favela 16 anos depois
Pobres no país chegam a 19,7 mi, e maior comunidade pobre de Buenos Aires dobra em tamanho
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Morador da maior favela central de Buenos Aires, a Villa 31, Olegario Valdemar Lago, 60, diz que a vida só piorou nos últimos 16 anos. "A favela cresceu para cima e a gente empobreceu", afirma.
Após de ter visitado o local em 2007 na campanha eleitoral que elegeu Cristina Kirchner à Presidência, a reportagem da Folha reencontrou Lago no mesmo local em que ele residia à época.
Sobre sua casa, como acima de centenas de outras, foram erguidos novos andares, formando um labirinto de pequenos prédios que chegam a cinco pavimentos, o que aumentou muito a densidade populacional.
De 2007 para cá, a Villa 31 praticamente duplicou a população, e tem hoje cerca de 45 mil habitantes. Segundo levantamento oficial de 2018, a província de Buenos Aires tinha 1.600 das 4.228 favelas do país. Mais de um quarto delas surgiu a partir de 2010.
Lago trabalha na frente de sua casa como serralheiro, realizando consertos para clientes locais. O trabalho, diz, é cada vez mais escasso e os moradores cada vez podem pagar menos. Sua mulher é gari e o único filho adulto que ainda vive com ele recebe ajuda do Estado por questões de saúde.
Num bom mês, a família consegue 130 mil pesos (R$ 1.733 pelo câmbio paralelo), contando o subsídio ao filho. Mas os três rendimentos são insuficientes para tirá-los da pobreza. Eles teriam de ganhar no mínimo 172 mil pesos (R$ 2.290) para deixar essa condição, segundo critério do Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos, o IBGE argentino).
O Indec considera pobres os argentinos com renda individual mensal inferior a 57.302 pesos (R$ 774) e miseráveis, abaixo de 26.046 pesos (R$ 352). Por este critério, 43,1% da população é pobre (19,7 milhões) e 8,1%, miseráveis (3,7 milhões).
Nos últimos dez anos, a taxa de pobreza argentina deu um salto de 15 pontos percentuais. Segundo o Observatório da Dívida Social da UCA (Universidade Católica Argentina), ela atingiria metade do país se o governo não subsidiasse de alguma forma (com tarifas de energia, transporte e transferências em dinheiro) cerca de 40% das residências.
Mesmo assim, para efeito de comparação, a Argentina é menos pobre e desigual do que o Brasil. Segundo cálculo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, usando o critério do Banco Mundial para os que vivem com menos de US$ 5,50 ao dia (R$ 28), a Argentina teria 18,2% de sua população na pobreza; o Brasil, 29,6%.
O cálculo leva em conta a chamada PPP (paridade de poder de compra), métrica que remove distorções causadas por taxas de câmbio, custos de vida diferentes e rendimentos.
Também ajustado pela PPP, o PIB per capita argentino é maior que o brasileiro: equivalem a US$ 21,5 mil e US$ 14,6 mil, respectivamente, segundo o Banco Mundial.
A Argentina também tem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) superior ao brasileiro. O país está no 47° lugar no ranking de 191 países do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O Brasil, em 87°.
O problema da Argentina, porém, é que o mercado de trabalho vem se precarizando rapidamente, com uma explosão de vagas informais e empregos formais que não pagam os valores para tirar trabalhadores da pobreza (pelo critério do Indec).
Há poucos dias, acordo entre sindicatos patronais e de trabalhadores estabeleceu novo aumento, escalonado, de 26,6% para o salário mínimo. Em junho, o valor chegará a 87.987 pesos (R$ 1.173) e não cobrirá as necessidades de uma família de quatro pessoas (com dois adultos ganhando o salário mínimo e duas crianças).
Com a inflação subindo entre 6% e 7% ao mês, o novo mínimo, pago a trabalhadores formais, também estará desvalorizado em junho. Mas é a informalidade que avança no país.
"Dos novos postos de trabalho, 70% são informais; e temos mais de 40% dos trabalhadores formais na pobreza, que não conseguem comprar uma cesta básica completa", afirma o economista Dante Sica, ex-ministro da Produção e do Trabalho no governo de Mauricio Macri (2015-2019).
Segundo Daniel Imperial, 71, que opera no ramo frigorífico, praticamente todo o comércio de carnes fora das grandes redes de supermercados na Argentina ocorre no mercado informal, com trabalhadores informais.
"Os impostos são terríveis e, nos matadouros, é muito difícil o controle", diz Imperial. "Já os preços, sobem toda semana. Mas não é de hoje, vivemos uma crise muito longa."
De acordo com um empresário argentino voltado à área de comércio exterior que prefere não se identificar, a crônica falta de dólares no país têm levado cada vez mais empresas a sofrer com a escassez de produtos importados —afetando o crescimento e empregos de melhor qualidade.
Ele conta que as autorizações para importação tornaram-se arbitrárias, complicando o planejamento de longo prazo
Segundo o economista argentino Miguel Broda, o fato abriu nova fonte de problemas no país. "Com tantas restrições, há mais corrupção para se conseguir dólares para importações. Se [o suborno] era de 10%, agora custa pelo menos 15%", afirma.
Com a escassez de dólares, é a agropecuária, também grande empregadora na Argentina, quem mais sofre com impostos, especialmente sobre exportações.
"A enorme quantidade de impostos tira renda dos produtores. Somos obrigados a ser mesquinhos nos investimentos", afirma Nicolás Pino, presidente da Sociedade Rural Argentina. "Em vez de produzir cerca de 140 milhões de toneladas [de grãos], poderíamos estar na faixa de 200 milhões."
Pino calcula que, nos últimos 21 anos, o Estado tenha arrecadado cerca de US$ 175 bilhões em impostos sobre a exportação agropecuária. "O país não melhorou nesse período, muito pelo contrário", afirma.
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