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Atraso de governo e Aneel em solucionar térmicas adia alívio de 5,2% na conta de luz

TCU busca conciliação, mas donos das usinas recorrem a advogados para suspender penalidades e receber por serviços

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Brasília

Está custando caro para o consumidor de energia um jogo de empurra do governo e dos órgãos reguladores para definir o destino de um grupo de térmicas a gás. Dez usinas não cumpriram contratos de energia, mas tentam amenizar as penalidades —e até seguir operando— com preços altos para a conta de luz.

Os valores dessa pendência estão detalhados no mais completo levantamento sobre o tema, realizado pela Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres).

Torres de energia da estação transformadora em São Paulo; projetos térmicos elevam custo da energia. - Eduardo Knapp/Folhapress

A entidade mostra que está suspensa a cobrança de R$ 13 bilhões em multas e penalidades. Esse valor, que já poderia ter sido revertido para a tarifa de energia, levaria a uma redução de 5,2%, em média, na conta de luz. Há também um grupo de térmicas operando mesmo depois de descumprirem os contratos, e os consumidores de energia já pagaram R$ 1,2 bilhão na tarifa por esse serviço.

Essas usinas fazem parte do PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), um tipo de leilão para a contratação de energia, feito de afogadilho, em outubro de 2021, quando havia risco de racionamento por causa da seca. A leitura do mercado é de que tudo desse leilão deu errado.

Das 17 usinas habilitadas no PCS, 14 eram a gás —grupo que enfrentou maior dificuldade. Apenas uma foi ligada em 1º de maio do ano passado, data prevista para o início da operação. Outras cinco conseguiram iniciar o fornecimento de energia antes do prazo final previsto no contrato, em 22 de agosto de 2022.

As 11 usinas restantes acumularam problemas. Uma foi suspensa. Cinco nem ficaram prontas no prazo. Mais cinco começaram a operar depois de agosto —apesar de a regra do leilão prever o cancelamento do contrato nesse caso— e são pagas pelos consumidores.

O impasse que mais penaliza a conta de luz envolve justamente essas dez usinas que não cumpriram o prazo contratual e recorreram na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A situação delas está em análise há meses no órgão. Um desfecho para o caso dessas usinas, e de todo o PCS, teria que ter tido acompanhamento do MME (Ministério de Minas e Energia). A pasta foi orientada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) a encaminhar a renegociação de todos os contratos desse leilão, para reduzir os custos dos consumidores de energia.

No capítulo mais recente, o próprio TCU assumiu a negociação por meio da nova Secretaria de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos. Agora, Aneel e MME dizem que o PCS depende do TCU. As empresas envolvidas estão mobilizando escritórios de advocacia para travar uma batalha no órgão regulador.

"Esse caso vai entrar para a história do setor elétrico como um processo demorado e, sobretudo, errático", afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia que acompanha o imbróglio desde o início.

O balanço da Abrace mostra como a evolução do problema é enrolada. Das cinco usinas que não ficaram prontas, uma pertence à Rovema, grupo de Porto Velho (RO), e quatro são da Âmbar, braço de energia da J&F, que controla da JBS. Esse grupo tem quase R$ 8,9 bilhões em penalidades que ainda que não foram pagas porque as empresas entraram com recursos na Aneel, segundo levantamento da associação.

A Rovema não conseguiu garantir o fornecimento do gás. O seu primeiro recurso foi negado, e ela recorreu.

O caso da Âmbar se arrasta há um ano, envolvido numa polêmica que mobilizou o setor de energia.

O relator do processo no começo da discussão, hoje secretário-executivo do MME, Efraim da Cruz, fez todos os esforços para que as usinas pudessem operar, mesmo com o atraso das obras. Existe até um processo no TCU, ainda em curso, avaliando sua conduta nesse caso.

Os pedidos de recurso (chamados pela agência de excludente de responsabilidade) que a Âmbar apresentou na agência foram indeferidos, por unanimidade, pela diretoria. A empresa recorreu. Com base nas análises da área técnica e da Procuradoria Federal, o novo relator, o diretor Fernando Mosna, rejeitou o recurso.

No entanto, o diretor Ricardo Tili pediu vistas no final de fevereiro, e até agora não retomou a discussão.

Segundo a Folha apurou, na conciliação com o TCU, a Âmbar vai insistir na autorização para operar. O levantamento da Abrace mostra que se isso ocorrer haverá um aumento na tarifa de quase 2,5%, pois as térmicas da Âmbar respondem por praticamente metade da geração de todas as usinas habilitadas pelo PCS.

Entre as cinco usinas que conseguiram operar mesmo após o prazo contratual limite de 90 dias, quatro pertencem a empresa turca KPS (Karpowership Futura Energia) e uma a Trendner, com sede no Paraná.

As usinas da KPS são balsas flutuantes, modelo conhecido como powerships, e estão no Porto de Itaguaí, na Baía de Sepetiba (RJ). A empresa acumulou problemas com o projeto, que sofreu oposição até de grupos ambientalistas, dada a sua localização.

Depois de ter o primeiro excludente de responsabilidade negado na Aneel, a KPS protocolou dois outros recursos na agência, ao mesmo tempo em que recorreu à Justiça e conseguiu autorização para operar. Tanto a área técnica quanto a procuradoria da Aneel já se manifestaram contra os recursos.

O diretor que agora tem a relatoria do recurso, Ricarod Tili, no entanto, não apresenta o processo para julgamento. Segundo estimativas do relatório da Abrace, cada mês de indefinição no caso da KPS custa R$ 255 milhões para os consumidores de energia.

O processo sobre a usina da Tradener é lanterninha na discussão. Apesar de a área técnica ter recomendado que se negasse o recurso, a diretoria ainda não avaliou os pedidos de excludente de responsabilidade apresentados pela empresa.

"Em um momento em que a agência tem merecido tantos e tão injustos questionamentos, decidir sobre o PCS seria a maior reafirmação sobre o seu papel no setor elétrico", diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace. "A demora no fechamento de processos que já estão com a instrução técnica e legal pronta está custando muito aos consumidores."

Em paralelo também existe uma discussão sobre as empresas que cumpriram o prazo contratual do PCS e estão operando. O seu custo de funcionamento é altíssimo. Em média, o preço dessa energia é de R$ 1.300 pelo MWh (megawatt-hora), 20 vezes mais que o valor do último leilão desse tipo de fornecimento, diz a Abrace. No mercado à vista, a energia é negociada a R$ 55.

O levantamento da Abrace mostra que o consumidor já pagou R$ 1,6 bilhão para esse grupo de térmicas. Até dezembro de 2025, prazo final do contrato, serão mais R$ 7,3 bilhões. A entidade e a frente de defesa dos consumidores defendem há meses que o MME faça a negociação amigável com as empresas para a suspensão do fornecimento dessas usinas. A discussão agora migra para o TCU.

Aneel e MME dizem aguardar o TCU

À Folha, a assessoria de imprensa da Aneel afirmou que processos do PCS encontram-se em instrução, com diversas manifestações e reuniões com as empresas e análises complementares das áreas técnicas desde agosto de 2022.

Segundo a agência, o caso da KPS teve novo parecer recentemente incluído nos autos. No entanto, o Ministério de Minas e Energia informou que o caso vai ser algo de processo de solução consensual no TCU, o que foi confirmado pela Corte na última semana.

"Nesse sentido, estamos avaliando os reflexos de tal procedimento nos processos em andamento, que aguardam deliberação do colegiado", disse a Aneel em nota. "Destaco, entretanto, que eventuais valores recebidos por quaisquer empresas que, após julgamento em segunda instância dos pedidos administrativos, sejam considerados indevidos, serão devolvidos aos consumidores."

A assessoria do MME disse que a pasta tem buscado tratamento específico para os contratos PCS, com o objetivo de garantir a segurança do fornecimento com redução da tarifa. Segundo nota enviada à Folha, foi dentro desse princípio que o MME solicitou apoio do TCU na solução do caso.

"A situação de cada empresa contratada no PCS foi e será tratada de modo específico, considerando as particularidades envolvendo cumprimento dos contratos e riscos de imputação de custos aos consumidores de energia elétrica", diz a pasta.

Procurados pela reportagem, KPS e TCU responderam que não comentariam. Âmbar, Rovema e Tradener não responderam a solicitação de comentários enviadas por email até a publicação deste texto.

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