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Ex-funcionária acusa supermercado Mundial de persegui-la por cabelo black

OUTRO LADO: Rede diz que relatos são 'totalmente inverídicos' e que exigências eram feitas a todas as funcionárias, independentemente do tipo de cabelo

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São Paulo

Uma ex-funcionária acusa o Mundial, um dos maiores grupos de supermercado do Rio de Janeiro, de tê-la demitido por não aceitar seu penteado black power.

"Diversas vezes fui abordada por superiores com falas discriminatórias, no intuito de que deveria alisar, cortar ou prender meus cabelos, que, segundo eles, estariam ressecados e eram feios", diz à Folha Miliane Napoleão Eduardo, 34, hoje babá.

A denúncia foi parar na 55ª Vara de Trabalho do Rio. A advogada Anna Carolina Vieira Côrtes pede R$ 51.750 de indenização.

Os advogados que defendem a rede dizem que os fatos relatados são "totalmente inverídicos". Afirmam ainda que caberia a Miliane o "ônus da prova", mas ela não teria mostrado nenhuma evidência que corrobore as acusações.

Miliane Napoleão Eduardo, em frente ao mercado Mundial onde trabalhou - Tércio Teixeira/Folhapress

A ação trabalhista propõe R$ 40 mil de danos morais por considerar que Miliane sofreu "dispensa discriminatória" e teve ofendido o "direito da personalidade", ao ser perseguida pelos patrões.

Sua advogada, que a atende pela Justiça gratuita, também cobra o pagamento de honorários advocatícios e cita danos morais e materiais porque, segundo a peça, alguém arrombou o armário onde a profissional guardava pertences pessoais e lhe furtou R$ 280, o que rendeu um registro de ocorrência na Polícia Civil em 2019. A empresa teria sido omissa.

Miliane foi contratada em 2018 como empacotadora de uma unidade do Mundial em Botafogo (zona sul carioca). Ganhava R$ 1.140 pela função. Em julho de 2020 veio a demissão.

De acordo com a ex-funcionária, a exigência para que prendesse o cabelo não se repetia com "colegas de trabalho que tinham o cabelo liso e comprido".

A certa altura, Miliane apresentou um atestado médico, anexado ao processo, dizendo que não conseguia prender o cabelo porque isso lhe dava dor de cabeça. "Enxaqueca episódica com aura" por "alodínia mecânica", no vocabulário médico. Ou seja, sensibilidade acentuada no couro cabeludo.

Foi dispensada no mês seguinte.

Miliane diz que, enquanto ainda trabalhava no mercado, questionou superiores sobre a ordem para manter o cabelo preso. "Começou então uma perseguição à minha pessoa, por não aceitar calada as falas racistas."

"Na mesma loja havia funcionários com cabelos maiores do que os meus e que podiam trabalhar tranquilamente", afirma. Diz que questionou qual seria o problema com seu visual e ouviu de um superior que ele "só recebia ordens". O homem não teria citado de quem partia essa suposta orientação.

"Daí para frente só pioraram meus dias de trabalho, pois passei a trabalhar pressionada e desmotivada por sempre passar pelas mesmas falas, que acabavam com meu psicológico."

A defesa do Mundial disse à Justiça que Miliane "não juntou qualquer documento comprobatório de suas meras alegações" e "nem poderia, vez que totalmente falaciosas".

Diz também que todas as demais empregadas que trabalham na frente de loja, incluindo empacotadoras, caixas e fiscais, são orientadas a trabalhar com cabelo preso na redinha. O acessório, continua, é cedido pelo empregador, e seu uso é uma norma interna "destinada a todas as empregadas, independentemente do tipo de cabelo (lisos, ondulados, encaracolados ou crespos)".

"Cai por terra", portanto, qualquer "cunho racial" na demissão, segundo os advogados do Mundial. Eles dizem que o penteado demandado não seria uma questão meramente estética, mas também higiênica.

A peça sustenta também que, após a funcionária mostrar o laudo médico sobre enxaqueca, a empresa a orientou a "fazer um coque frouxo que não apertasse sua cabeça" e nunca pediu que cortasse o cabelo.

Destaca, por fim, a pandemia de Covid-19. No início, alguns especialistas alertaram que os fios capilares poderiam ser um vetor de transmissão do vírus.

Miliane diz que se sentiu discriminada desde o começo na função, em 2018. A crise sanitária começou quatro meses antes de ela ser demitida.

Por meio de seus defensores, o Mundial afirma que a ex-funcionária "possuía um histórico disciplinar delicado". Ela chegaria atrasada e manteria "conduta antiética no trabalho, pois tinha o hábito de falar mal dos coordenadores para os demais colegas de trabalho, a fim de influenciá-los de forma negativa".

Sobre o suposto furto de R$ 280, em 2019, a empresa diz que Miliane não comprovou que tinha esse valor guardado ou que o armário fornecido a ela pela empresa foi arrombado.

A reportagem conversou com dois ex-colegas de Miliane, e ambos confirmam a versão de que ela era alvo de perseguição dos chefes.

Uma profissional diz que o mercado permitia a funcionárias mulheres manter os fios soltos desde que não ultrapassem a altura do ombro. Era o caso de Miliane, mas, como o dela era volumoso, recebia ordem para deixá-los dentro da redinha.

A Justiça do Trabalho já promoveu uma audiência sobre o caso, online, e em junho fará uma nova, desta vez presencial.

Os dois lados, acusação e defesa, dizem que trarão testemunhas em favor deles.

O Mundial se manifestou também por meio de sua assessoria de imprensa. Em nota, afirmou que "não compactua com qualquer ato de discriminação e reforça seu compromisso com inclusão e diversidade".

O caso em questão, diz a rede, "já se encontra judicializado e tem sido tratado e acompanhado pelos meios legais, junto à Justiça".

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