Siga a folha

Seleções amplas e disputadas não aprovam mais aptos e criam 'concurseiros desempregados'

Para especialistas, editais deveriam prever testes práticos e de competência, como avaliação psicológica

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Concursos concorridos e conteudistas mantêm candidatos qualificados no desemprego, segundo novo estudo publicado na revista Journal of Development Economics. Ao mesmo tempo, especialistas ouvidos pela Folha afirmam que seleções que admitem muitos de uma só vez não aprovam os mais aptos.

O país e os candidatos, dizem especialistas, ganhariam se a aprovação do projeto de lei que define normas para concursos públicos federais desse mais segurança para a realização de provas focadas em habilidades.

Movimentação de concurseiros na Unip da Barra Funda, que prestam prova do CNU, o Enem dos Concursos - Folhapress

A qualidade de funcionários escalados no setor público, entretanto, esbarra no Orçamento. Editais abrangentes são apontados por pesquisadores como alternativa barata para o recrutamento de pessoas com diferentes experiências para suprir lacunas no governo.

Marcelo Veloso, 40, presta há dez anos o concurso para a carreira diplomática no Brasil. Formado em direito, ele intercala temporadas de só estudo com períodos em que junta dinheiro para se sustentar.

"Meu foco é o Itamaraty até o fim da vida. O que me motiva é que, desde que comecei, minha nota sempre aumenta de uma prova para outra. Estou melhor a cada ano", diz.

O dilema não é exclusividade do Brasil. O novo estudo na Journal of Development Economics mostrou que, na Índia, concursos concorridos geram candidatos desempregados, que ficam à parte do mercado de trabalho enquanto estudam, e atrasam decisões econômicas familiares importantes.

"A preparação prolongada para concursos é bastante prejudicial. Em média, quem enfrentou maior competição também teve menor capacidade de ganhos e era menos propenso a ter formado a própria família. Alguns parentes mais velhos compensavam o baque econômico adiando a aposentadoria", diz o pesquisador de Harvard e autor da pesquisa, Kunal Mangal.

Marcelo Veloso, 40, estuda para concurso público há dez anos - Acervo pessoal

O CNU (Concurso Nacional Unificado), prestado por mais de 1 milhão de pessoas no último domingo, é injeção necessária na gestão pública após um congelamento de contratações na gestão de Jair Bolsonaro (PL), afirma Cibele Franzese, professora de Administração Pública da FGV-SP.

Mas, apesar de ter questões que exijam capacidade analítica, o CNU não deve selecionar candidatos com a mesma qualidade das provas que incluem testes práticos (elaboração de documentos e simulação de tarefas, por exemplo) e de competência (como avaliação psicológica).

"Estamos insistindo em um modelo antigo com bastante vigor. É a responsabilidade de uma despesa de 30 anos no Orçamento contratada a partir de um dia de prova", diz Franzese.

Especialistas afirmam que o CNU avançou ao cobrar a capacidade de resolução de problemas ligados ao Estado, mas o baixo nível de dificuldade não condiz com um exame concorrido e de alta remuneração.

"Por mais que haja a preocupação racial e geográfica, provas baseadas em conhecimento vão privilegiar quem saiu do trabalho para poder estudar: no geral, uma elite masculina e branca. É esperado que os cargos mais altos fiquem só com eles."

Franzese também afirma que provas como o CNU escalam muitas pessoas que buscam a própria estabilidade econômica, mas não têm vocação ou vontade de trabalhar para o setor público.

"Alguns municípios avaliam a aula do professor antes de contratar. É assustador saber que contratávamos sem saber como é a aula. Concursos com base em habilidades ficam mais caros e têm menos candidatos, mas contratar os melhores é um investimento que vale a pena", diz.

"A aprovação do PL é boa notícia. A avaliação por habilidades mostra se o órgão tem, de fato, a necessidade que vai ser preenchida pela competência do candidato, de forma que o 'decoreba' aconteça cada vez menos", diz Aragonê Fernandes, professor do Gran Concursos.

A alta concorrência oferecida para vagas federais faz com que provas menores, de estados e municípios, sejam usadas como uma etapa para candidatos que desejam cargos mais disputados, deixando órgãos menores desfalcados.

"O 'concurso escada' é a etapa para atingir a meta final. Muitos que se dedicam aos concursos nem sequer sabem o ponto de chegada", diz Fernandes.

É o caso de Veloso, que acumula mais de 20 provas para cargos variados enquanto tenta passar no concurso de diplomata.

Candidatos que passavam muito tempo estudando os conteúdos das provas não necessariamente aprendiam coisas valorizadas no mercado de trabalho, por mais que acreditassem que nenhuma educação seria desperdício, segundo Mangal.

"Passar pelo processo de concursos por muitos anos e não ser selecionado é um grande golpe na autoestima, e é difícil para as pessoas se recuperarem disso", disse.

"Concursos são populares, pois dão às pessoas permissão para sonhar. Você vê histórias de pessoas marginalizadas que conseguem poder, prestígio e respeito. São exemplos poderosos em uma sociedade estratificada", afirma Mangal.

O projeto de lei que cria uma norma geral para concursos públicos federais foi aprovado na última quinta-feira (15) e segue para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As normas valem apenas para concursos de nível federal. Estados, Distrito Federal e municípios podem optar por editar normas próprias, mas devem ter mais segurança para implementar provas além da seleção sobre o conhecimento, segundo Franzese, da FGV.

Ficam estabelecidas três formas válidas de avaliação, sem prejuízo de outras:

  • Conhecimentos: (provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, que cubram conteúdos gerais ou específicos);
  • Habilidades: provas práticas, de elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto, bem como testes físicos;
  • Competências: avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas