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Países em que já se trabalha a mais de 50º C dão pistas sobre problemas futuros

Cidades no Golfo Pérsico estão tendo que se adaptar a verões mais quentes, que aprofundam desigualdades econômicas

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Chloe Cornish
Financial Times

Sentado em uma moto perto de uma cozinha em Dubai, o suor se forma na testa de Mohamad enquanto ele espera para pegar um pedido de almoço. A comida não é para ele; ele a conduzirá pelo sufocante centro financeiro e turístico para um cliente em um bloco de prédios com ar-condicionado.

Com o termômetro chegando a 44º C e a alta umidade, "parece uma sauna", diz o entregador. Natural do Paquistão, Mohamad está desconfortavelmente vestido para o clima, usando calças escuras e a camiseta de manga longa e gola alta fornecida pela plataforma de entregas.

De julho ao início de setembro, as ruas de Dubai são tão quentes e abafadas que o "índice de calor", uma combinação da temperatura do ar e dos níveis de umidade, regularmente excede 50ºC.

Trabalhadores em uma obra em Dubai - Reuters

No mês passado, temperaturas na casa dos 40º C e níveis de umidade de 80% ou mais resultaram na sensação térmica de 62º C ao meio-dia no Aeroporto Internacional do emirado.

O Golfo Pérsico é uma das muitas regiões que está aprendendo a viver com calor extremo. Mas as experiências variam de acordo com a condição financeira. Enquanto Mohamad e milhares de outros trabalhadores, principalmente estrangeiros, suam ao ar livre, a vasta riqueza de hidrocarbonetos do Golfo Pérsico permite que seus residentes mais abastados desafiem o inóspito deserto.

Dubai tem pistas de patinação no gelo e uma de esqui coberta. Pinguins imperadores e raposas árticas vivem no SeaWorld de Abu Dhabi. Nos shoppings, o ar é tão frio que uma mulher carrega um suéter enquanto faz compras durante o verão.

À medida que o mundo aquece, a região pode servir como uma lição sobre como lidar —ou não— com temperaturas escaldantes em ambientes urbanos que abrigam dezenas de milhões de pessoas.

"O que você está vendo nos países do Golfo é o que você verá em muitas partes do sul da Europa, do sul dos EUA ou em partes da Índia e Bangladesh", diz Barrak Alahmad, pesquisador da Escola de Saúde Pública TH Chan da Universidade de Harvard.

A região onde se encontra a moderna nação dos Emirados Árabes Unidos é chamada de "a terra do balde vazio", por causa da rápida evaporação da água.

A região do Golfo já é inabitável no verão sem sistemas de resfriamento

Diana Francis

professora assistente de ciências da terra na Universidade Khalifa de Abu Dhabi

As cidades se expandiram com base nas exportações de combustíveis fósseis, e a queima desses combustíveis contribuiu para a mudança climática que tornou o verão da região cada vez mais intenso.

"A região do Golfo já é inabitável no verão sem sistemas de resfriamento", comenta Diana Francis, professora assistente de ciências da terra na Universidade Khalifa de Abu Dhabi.

Como a região já está equipada, "o impacto do aumento das temperaturas na população será sentido menos do que em outras regiões onde não existem sistemas de resfriamento", diz ela.

Pesquisadores enfatizam que a falta de dados dificulta prever como será o clima da região no futuro, embora alguns estudos científicos sugiram que chuvas intensas e tempestades aumentarão.

Em um cenário sem mudanças no ritmo de aquecimento global, os pesquisadores estimam que, após 50 anos, "condições de ondas de calor super e ultra-extremas sem precedentes emergirão" na região do Oriente Médio e norte da África, com temperaturas potencialmente excedendo 56º C.

Mesmo os reluzentes arranha-céus construídos por líderes ambiciosos do Golfo não são bem adaptados a um clima tão agravado.

A energia fóssil barata e abundante da região resultou em pouco incentivo para encontrar soluções alternativas. O resfriamento representa até 70% do consumo de eletricidade durante as horas de pico nos estados do Golfo, colocando uma enorme pressão nas redes elétricas.

Os Emirados Árabes Unidos introduziram códigos de construção verde "por causa da percepção de que o tipo de edifícios que temos no deserto não pode ser o mesmo daqueles de Nova York", comenta Leonard Chirenje, professor assistente de ciências da sustentabilidade na Universidade Zayed de Abu Dhabi.

Para tornar o ar-condicionado mais eficiente, alguns países do Golfo também estão usando resfriamento distrital, que circula água fria de uma instalação central através de tubos isolados para os edifícios, em vez de depender de unidades individuais de ar-condicionado.

Alguns projetos têm experimentado reviver técnicas tradicionais de construção. A Universidade de Inteligência Artificial Mohamed bin Zayed, por exemplo, usa em seu campus fachadas de argila para sombra, que têm um efeito de resfriamento notável.

Mas a maioria das formas do Golfo de lidar com extremos climáticos ainda envolve enormes quantidades de energia produtora de gases de efeito estufa. A atividade de construção é incessante no Golfo, à medida que a região se prepara para acomodar o esperado aumento populacional. A Arábia Saudita, maior economia do CCG, está construindo novas conurbações como Neom e New Murabba.

Pesquisas sugerem que os trabalhadores do setor, muitas vezes itinerantes do sul da Ásia, estão entre os mais vulneráveis às condições climáticas extremas.

Os dados são escassos, mas no Kuait, o epidemiologista de Harvard Alahmad e seus colegas descobriram que homens não kuaitianos tinham até três vezes mais chances de morrer durante condições de calor extremo em comparação com o clima normal, apesar de geralmente serem jovens e saudáveis.

Embora o clima não seja o único culpado pela vulnerabilidade entre os trabalhadores migrantes —eles podem sofrer desde acomodações apertadas até dificuldades para acessar serviços de saúde— o calor está agravando esses problemas, diz Alahmad.

Pesquisadores liderados do Instituto de Medicina da Universidade Tribhuvan de Katmandu concluíram que a alta incidência de mortes por doenças cardíacas entre migrantes do Nepal no Qatar durante o verão era "muito provavelmente devido ao estresse térmico severo".

Homem jogando água na cabeça de um trabalhador durante o verão em Dubai - AFP

Dos 571 trabalhadores nepaleses que morreram de doenças cardiovasculares de 2009 a 2017, cerca de 200 poderiam ter sido salvos com uma "proteção eficaz contra o calor", concluiu a análise.

O Qatar e outros países do CCG tomaram medidas para reduzir os riscos do trabalho ao ar livre durante o verão. Todos eles agora proíbem atividades durante o meio do dia, embora as horas e datas variem.

Algumas autoridades municipais vão além —a cidade de Dubai, por exemplo, diz que as empresas devem fornecer água fria e eletrólitos aos trabalhadores. "É uma questão de produtividade. A 50º C, o que o trabalhador vai fazer por você?", diz o chefe de um empresa de construção, que concorda com a restrição das 12h30 às 15h na cidade.

Ainda assim, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) informa que as temperaturas podem ser "extremamente altas fora das horas proibidas, e inspeções limitadas minam a eficácia da política".

A proibição do meio do dia também é inflexível e não leva em conta outros fatores que podem afetar a saúde humana, afirma Alahmad, como a umidade e a tarefa que a pessoa está realizando.

Ironicamente, alguns dos trabalhadores migrantes mais mal pagos no Golfo, que suportam o peso dos verões brutais, deixaram seus países de origem por causa das mudanças climáticas.

É o caso, por exemplo, de Bangladesh, o país de origem de milhões de trabalhadores da construção no Golfo, severamente afetado pelas alterações climáticas e pelo aumento do nível do mar.

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