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Conheça histórias de quem começou a empreender depois da aposentadoria

Sem espaço em empresas, profissionais acima dos 60 criam negócios para complementar renda e manter a cabeça ativa

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São Paulo

No Brasil, 7,3% dos empreendedores têm 65 anos ou mais, de acordo com dados do IBGE. A principal motivação para começar um negócio nessa idade é financeira.

Outros motivos são aproveitar oportunidades, sentir-se útil e realizar uma vontade antiga de empreender, aponta uma pesquisa feita pelo Sebrae-SP em 2017.

Em muitos casos, profissionais acima dos 60 são forçados a empreender, já que as portas do mercado de trabalho se fecham conforme as décadas avançam.

"O etarismo é violento, a pessoa chega a essa idade e as empresas não estão mais interessadas nelas", afirma Alexandre Kalache, médico gerontólogo e presidente do ILC-BR (Centro Internacional de Longevidade no Brasil).

Segundo o médico, a saída do mercado de trabalho pode até afetar a saúde. Assim, começar uma empresa depois da aposentadoria é uma forma de se manter ativo e com propósito na vida. "É uma maneira de se reinventar e continuar a ser relevante", diz ele.

Essa fase da vida pode ser uma oportunidade de ir atrás dos desejos profissionais não realizados, sem a pressão de precisar construir a carreira.

"A maioria das pessoas passa a vida fazendo coisas que não foram escolhas delas, mas, quando chegam nessa nova etapa, chutam o balde", diz Heliane Gomes Azevedo, fundadora do IPPE (Instituto de Pesquisas e Projetos Empreendedores), que dá cursos para fomentar o empreendedorismo na terceira idade, em Belo Horizonte (MG).

A experiência de vida é a principal vantagem de quem empreende nessa fase. Se o profissional tiver acumulado capital financeiro, ou puder gastar a aposentadoria só com o seu sustento, há mais tranquilidade para investir em um negócio e correr riscos.

"Por terem mais tempo, eles aproveitam para se planejar mais, não têm aquele anseio dos jovens", diz Ruy Barros, consultor do Sebrae-SP, que ministrou o curso Empreendedor 60+, parceria do HCor com a entidade.

Mas a pandemia representou uma tripla barreira para esses empresários: além de terem de enfrentar a crise econômica e estarem no grupo de maior risco para a doença, eles tiveram maior dificuldade em encontrar saídas para trabalhar neste período, em razão da falta de familiaridade com a tecnologia.

Para tentar amenizar o problema, o IPPE oferece aulas de marketing digital, finanças e plano de negócios. Os cursos atualmente são online e gratuitos. Veja mais informações em institutoippe.com.br.

Conheça, a seguir, histórias de quem começou a empreender depois dos 60 anos.

'Hoje, tenho muito mais entrega em tudo o que faço'

Lenice Morici, 62, dona da LM Confecções

Já tive confecção há uns 30 anos. Depois disso, me dediquei à fotografia de eventos por mais de 20 anos. Em 2013, me casei e fui para a Itália. Mas ele morreu e, em 2017, voltei para Belo Horizonte. Estava numa fase em que precisava de uma sacudida, porque tive depressão. Aos 60 anos, passamos por uma crise existencial.

Também não gosto de ficar dependente de filho. Então, resolvi fazer o curso do IPPE, em 2018, e abriu um sol na minha vida. Voltei a fotografar, mas veio a pandemia.

Minha filha me incentivou a fazer máscaras. Costurei mais de mil e, em seguida, comecei a fazer pijamas, porque todo mundo estava dentro de casa. Aí minha memória afetiva com a costura voltou.

Mudei-me para um apartamento maior e montei meu ateliê em um dos quartos. Vendo para uma loja e também por Instagram e WhatsApp.

Eu mesma mexo nas redes sociais. Faço cursos online e tento me aperfeiçoar. Mas tenho dificuldades nessa parte, de me colocar na linguagem atual e engajar os clientes. Vender é o mais difícil.

Empreender hoje é mais tranquilo do que no passado, porque tenho muito mais entrega no que estou fazendo. Não tem aquela pressa de quando se é jovem. Posso estar mais focada em mim, sem precisar sustentar filhos.

Para a cabeça, costurar é ótimo. Não penso em problemas, às vezes ponho música e até canto enquanto costuro.

Quero continuar dedicada à confecção. Sempre estou com novas coleções na cabeça. Não vou falar que estou ganhando rios de dinheiro, porque não está fácil para ninguém, mas foi um achado na minha vida.

'Pretendo viver até os 120 anos, preciso estimular a cabeça'

Vera Caovilla, 72, fundadora da 50mais Ativo

Trabalhei com administração hospitalar por muitos anos, dei consultoria na área e fundei a Associação Brasileira de Alzheimer. Depois de 27 anos como voluntária, precisava fazer algo para receber, porque a aposentadoria só diminui.

Transformei meu conhecimento em negócio, o 50mais Ativo. Sei conversar com o público que está envelhecendo e mostrar que isso tem que ser feito de forma saudável.

Em 2018, fiz um curso do Sebrae com o HCor, que deu um gás para a gente se planejar melhor. Começamos em 2020, mas veio a pandemia. Então, voltamos a atividade online para duas áreas.

Um dos programas é de estímulos cognitivos e destinado a pessoas acima de 50 anos. O segundo desenvolvemos com familiares de pacientes com comprometimento cognitivo. Nela, temos encontros semanais, para conversar.

Há uma diferença de mais de 30 anos entre mim e minhas duas sócias. Acredito que, em todo lugar onde há diferenças de idade e de ideias, você consegue produzir mais, porque é mais estimulado. Como pretendo viver até os meus 120 anos, tenho que estimular cada vez mais a minha cabeça. Não sei como seria parar.

Continuo fazendo cursos, estou aprendendo italiano, tudo online, mas tenho dificuldade com mídias sociais. Não consigo trabalhar com Instagram ou Facebook, mas é para isso que servem os amigos e o Google.

Meu pensamento enquanto empresária é ir crescendo gradativamente, com segurança.

'Sem conseguir me recolocar, mergulhei no meu plano B'

Rui Martins Rosado, 64, fundador da IdCel

Trabalhei em multinacionais nos meus últimos 30 anos de vida profissional. Quando saí do meu último emprego, tentei me recolocar, mas os processos paravam. Em um deles, me confidenciaram que a idade estava pegando.

Apesar de topar até trabalhar ganhando menos, ninguém me contratava.

Tenho amigos que estão com dificuldade de se recolocarem por isso também, e o mercado está perdendo grandes profissionais.

Então, mergulhei de cabeça no meu plano B. Fui procurar investidores, aceleradora. E minha empresa está aí até hoje. Isso tem quatro anos.

Os 60 anos são uma boa idade para empreender porque você tem bastante experiência e não depende do salário. Sua maior preocupação é não gastar todo o seu patrimônio.

A primeira vez que empreendi foi na década de 1990. Comprei uma distribuidora de impressoras que depois vendi, porque queria voltar para as multinacionais. Agora me conheço mais, não sofro tanto, tenho um círculo de relacionamento muito maior, porque entrei em um segmento que já conhecia, de serviços de tecnologia. Gosto pela inovação não depende de idade.

Tinha a intenção de ficar pouco tempo empreendendo, mas não estou conseguindo parar. Gosto do meu cotidiano e agora trabalho remotamente. Ficar parado não passou pela minha cabeça, porque sou muito ativo. Vou tentar me aposentar até os 70 anos, mas não sei se vou parar ou fazer outra coisa.

'Trabalhava até 15 horas por dia e não consegui desacelerar'

Dimas Paulo Michelli, 65, fundador das agências DPM Models e Trastur

Já tive várias atividades na vida. Sou educador físico, trabalhei em clubes, tive academia e, quando me aposentei na rede estadual de ensino de Minas Gerais, abri uma agência de turismo, a Trastur.

Queria estruturar melhor a empresa e fiz o curso de empreendedorismo do IPPE em 2018. Lá, surgiu a ideia de criar uma agência de modelos para pessoas acima dos 40 anos.

Hoje tenho cerca de 50 pessoas cadastradas. Quando alguma empresa precisa, a gente indica para testes. Eu mesmo já fiz algumas publicidades.

Também sou personal trainer, trabalho com suplemento nutricional, faço massagem e drenagem linfática. Sempre fui muito ativo. Trabalhava até 15 horas por dia, aí não consegui mais desacelerar.

A experiência gera credibilidade. Os clientes querem alguém com responsabilidade.

Aposentado pela rede estadual não tem salário alto, então a gente tem que complementar a renda. E eu também passeio e me divirto.

Tenho vários pequenos negócios, não com grande resultado econômico, mas que preenchem o meu tempo. Não tenho mais aquela sangria desatada, de que, se não fizer tal negócio, a vida estará comprometida financeiramente.

"Associei-me a um amigo e a vida voltou a rodar"

João Silveira Monteiro, 71, engenheiro civil

Sou engenheiro civil há 42 anos e me aposentei em 2014. Estava trabalhando em uma obra, comandava 150 homens, e de repente o diretor me avisou que não precisava vir mais. Cheguei em casa arrasado. Minha vida virou de trás pra frente. Eu ficava indo da sala para o quarto, do quarto para o corredor.

Mandei uns 600 currículos, queria complementar minha renda, porque a aposentadoria é quase 50% do que eu recebia. Sempre respondiam que o currículo era bom, mas que não precisavam de alguém, que futuramente poderia ser chamado. Eu estaria esperando até hoje.

Então decidi fazer o curso de empreendedorismo do IPPE. Fiz oito cursos com eles.

Tenho um amigo que tem uma empreiteira, e falei pra ele, “vamos fazer juntos, eu capto as obras, tenho muitas amizades na engenharia, você me dá uma porcentagem e faz a obra”. Aí minha vida voltou a rodar.

Fizemos mais de 32 obras de passeio (calçada) em condomínios, em 2019, e mais 10 em 2020, porque a pandemia atrapalhou, além de reformas internas. Sempre tiro foto das obras e mando para os condôminos, porque todo mundo tem alguém que pode me indicar.

Também dou uma volta de carro pelo bairro, vejo os passeios ruins, anoto, faço um orçamento da reforma e mando em uma carta para os síndicos. Você tem que tentar achar a sua obra de tudo quanto é jeito.

Fiz curso de informática e de Autocad (software para projetos de engenharia), estou aprendendo devagarinho, me aprimorando. Se você não acompanhar, fica para trás.

Eu não podia continuar vivendo daquele jeito, senão teria feito uma besteira. A vida da gente é uma bolinha, que fica rodando em 360 graus. Se a gente parar de rodar, morre. Meu orixá falou que vou até os 100 anos, estou forte e saudável.

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