Siga a folha

Miguel Díaz-Canel assume governo de Cuba, e Raúl vira eminência parda

Primeiro líder do Conselho de Estado após os Castro declara lealdade a regime

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Isabel Fleck
Havana

Não houve surpresa quanto à votação da Assembleia Nacional, tampouco comoção nas ruas.

Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez, o homem escolhido por Raúl Castro para sucedê-lo como chefe de Estado e de governo em Cuba, tomou posse nesta quinta-feira (19) após ser confirmado, em votação previsível, por 99,83% dos deputados do país.

A maior mudança política na ilha desde que Fidel Castro tomou o poder por meio de uma revolução há quase 60 anos foi confirmada na sessão da Assembleia Nacional, no Palácio das Convenções de Havana, e transmitida pela TV estatal.

Mas poucos cubanos se esforçaram para acompanhá-la. 

Em seus discursos, Díaz-Canel, que nesta sexta-feira (20) completa 58 anos, e Castro, 86, deixaram mais do que evidentes as condições da mudança que justificam o desinteresse da população na transição. 

Enquanto o novo presidente do Conselho de Estado insistiu que seguirão nas mãos de Castro as principais decisões políticas do país, o comandante que deixou o posto falou por 92 minutos, ante os 28 do sucessor, dando ao pupilo todas as diretrizes que deverá seguir.

Castro permanecerá à frente do Partido Comunista Cubano até 2021 e também no comando das Forças Armadas, postos que, de fato, são responsáveis pelas decisões políticas na ilha. 

“Afirmo a esta assembleia que o companheiro general do Exército Raúl Castro Ruz, como primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, encabeçará as decisões de maior transcendência para o presente e o futuro da nação”, disse o engenheiro eletrônico Díaz-Canel, que ocupava o posto de primeiro vice-presidente do Conselho de Estado, o Executivo cubano.

O novo dirigente declarou à plenária que sua missão é “dar continuidade à revolução cubana em um momento histórico crucial”, marcado por “tudo que se deve avançar na atualização do modelo econômico e social”.

Ele, contudo, insistiu que não haverá espaço em seu governo para os que “aspiram a uma restauração capitalista”. “Esta legislatura defenderá a revolução e seguirá o aperfeiçoamento do socialismo.”

Para os EUA, que criticaram o que chamam de “processo de transição antidemocrático”, os cubanos não tiveram poder real para interferir no processo, não democrático. O Departamento de Estado exortou o novo líder a “escutar e responder às demandas dos cidadãos cubanos de uma Cuba mais próspera, livre e democrática”.

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos emitiu parecer semelhante. “O triunfo da ditadura sobre a liberdade não se chama revolução. A sucessão presidencial em Cuba é uma tentativa de perpetuação de um regime autocrático dinástico-familiar”, disse Luis Almagro. 

Díaz-Canel, que nasceu um ano depois de Fidel chegar ao poder, fez questão de render honras a Castro e aos representantes presentes da geração que lutou a revolução. “Vocês enobrecem esta sala e nos dão a oportunidade de abraçarmos a história viva”, disse.

Castro, que recebeu o discípulo com dois abraços no parlatório do plenário, ressaltou que Díaz-Canel não deve ficar mais do que dois mandatos no posto e sugeriu que ele o suceda também à frente do Partido Comunista depois de 2021 —quando o general se tornará “mais um soldado defendendo, junto ao povo, a revolução”, “se a saúde permitir”.

Castro deixou claro que quer que se repita, em dez anos, o modelo de transição que está sendo visto agora.

“Quando ele [Díaz-Canel] cumprir seus dois mandatos, se trabalhar bem, deve dar [o poder] ao seu substituto, como está se fazendo aqui”, disse. “Cessados os dez anos de presidência no conselho, nos três que lhe faltarem até o congresso [seguinte do partido comunista], ficaria como primeiro-secretário [do partido] para viabilizar o trânsito seguro e honrando as aprendizagens de seu substituto até que se aposente.”

Como parte das orientações mais imediatas, Castro determinou que a Assembleia Nacional crie uma comissão para elaborar uma reforma constitucional em conformidade com as “transformações na ordem política, econômica e social” em Cuba, que deverá ser colocada em referendo.

Ele, contudo, alertou: “É propícia a ocasião para esclarecer que não pretendemos modificar o caráter irrevogável do socialismo em nosso sistema político e social”.

Castro enalteceu pontos de seu mandato, como a permissão para a abertura de alguns tipos de negócios privados, mas ressaltou que o regime aprendeu com os erros no controle do novo sistema.

“[Os erros] favoreceram não poucas manifestações de indisciplina, evasões de obrigações tributárias, ilegalidades e violações das normas em nome de um acelerado enriquecimento pessoal.”

Ele também defendeu que se busque solução para o câmbio duplo, “que continua nos dando sérias dores de cabeça”, e para os possíveis impactos da crise venezuelana —sem mencioná-la diretamente.

“Não resta alternativa que não planejar bem, e sobre base segura, para suprimir todo gasto não imprescindível, que ainda há bastante”, afirmou.

Castro e seu sucessor criticaram em uníssono o que chamam de imperialismo dos Estados Unidos sob Donald Trump, que vem revertendo a distensão iniciada pelo antecessor, Barack Obama. Díaz-Canel disse que a política externa cubana será mantida. 

“Cuba não faz concessões contra sua soberania e independência, não negociará princípios nem aceitará condições. Jamais cederemos a pressões e ameaças”, declarou.

ROTINA DOS CUBANOS SEGUIU INTACTA

Enquanto os dois discursavam no Palácio da Convenções, afastado do centro de Havana e com forte esquema de segurança para evitar que curiosos e eventuais manifestantes se aproximassem, a rotina dos cubanos seguia.

Num bar de esquina no bairro Vedado, o gerente Mario Rodríguez, 60, não tirou do canal que passa videoclipes antigos para sintonizar a televisão na transmissão da posse. “Não sou eu que não me interesso, são eles”, diz, apontando para os poucos clientes, todos cubanos.

“Para que vou assistir? No fundo, vai ser mais do mesmo. Quem seguirá no poder é o comandante”, afirmou, a poucos metros dali, a vendedora de uma pequena loja de doces, que pede para ser identificada apenas como Rosa. 

“Pelo menos ele é jovem, isso é já é bom.”

Novo líder tem imagem moderna, mas ideias alinhadas às de 1959

Aos 58 anos, Díaz-Canel (na tradição hispânica, o sobrenome paterno, mais usado, precede o materno) é da primeira geração que não participou de Sierra Maestra. Após se formar em engenharia eletrônica, aos 22, ingressou nas Forças Armadas Revolucionárias.

Daí em diante, cresceria na estrutura do regime. 

Serviu por três anos nas FAR e voltou à universidade, onde além de lecionar, ingressou na União de Jovens Comunistas. 

Pela UJC, foi para a Nicarágua na Revolução Sandinista. Ao voltar, logo se tornaria o dirigente da UJC de Villa Clara, sua província natal. Do comitê jovem passou ao Partido Comunista, que o levaria a Havana em 2009 como ministro da Educação Superior.

Sua discrição, aparentemente uma de suas qualidades mais apreciadas por Castro, é a característica à qual se credita, em grande parte, sua ascensão dentro do regime.

Por isso, os cubanos o conhecem muito pouco. Para muitos, é só um tecnocrata que ganhou simpatia de Raúl.

Já defendeu os direitos LGBT, embora nos últimos anos venha se tornando conservador, e se mostra mais disposto ao contraditório. Em gestos públicos, marca diferença do antecessor: tem hábitos simples, fala menos, sorri mais.

Em março, pegou a fila para votar nos deputados que o ungiriam nesta quinta. E, na saída, falou com jornalistas.

CONSELHO EXECUTIVO DO REGIME SURGIU EM 1976

O Conselho de Estado de Cuba, que detém o Poder Executivo no país e passa pela primeira vez a ser presidido por alguém que não pertence à família Castro, surgiu em 1976.

Até 2008, era liderado por Fidel Castro, que da Revolução de 1959 à promulgação da Constituição Socialista que criou o conselho ocupou o posto de premiê.

Ao longo daqueles 17 anos, Cuba teve dois presidentes: durante sete meses, Manuel Urrutia, que caiu por divergir do ditador; no restante, Osvaldo Dorticós Torrado, que teve papel de peso na reforma agrária e representou o país em várias ocasiões no exterior.

Erramos: o texto foi alterado

Um dos sobrenomes do presidente do Conselho de Estado de Cuba, Miguel ​​Mario Díaz-Canel Bermúdez, foi grafado incorretamente. O texto foi corrigido.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas