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Descrição de chapéu The New York Times

Guerra de versões envolve morte de bebê no dia de ação de Israel contra palestinos

Família diz que menina morreu após inalar gás; médicos afirmam que ela tinha problema cardíaco

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Mãe da bebê Layla Ghandour segura o corpo da filha - AFP

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Declan Walsh
Gaza | The New York Times

Layla Ghandour, uma menina de 8 meses com olhos verdes brilhantes, estava no colo de sua avó quando uma nuvem de gás lacrimogêneo as envolveu durante a manifestação em Gaza na segunda-feira (14). A criança inalou um borrifo de gás ácido que lhe provocou uma tosse rouca e a fez chorar. Horas depois ela estava morta.

A história disparou pelo mundo, oferecendo um enfoque emocional para a indignação contra táticas militares que, segundo os críticos de Israel, são desproporcionalmente violentas. Mas em poucas horas a história da família estava sendo questionada.

Médicos disseram que Layla sofria um defeito cardíaco congênito que, segundo um deles, poderia ter causado sua morte. Então os militares israelenses fizeram afirmações, não sustentadas por evidências, de que possuíam informações que refutavam o relato da família. 

A controvérsia salientou o poder das imagens de crianças nos conflitos mais terríveis no Oriente Médio. Fotos da mãe de Layla, Mariam, segurando o corpo inerte da menina em um hospital em Gaza tornaram-se um poderoso símbolo político, como as de Alan Kurdi, o menino sírio cujo corpo foi levado pelas ondas a uma praia turca.

Assim como muitos símbolos no Oriente Médio, porém, uma pequena mas intensa tragédia de pessoas que levam vidas caóticas em tempos turbulentos se tornou material para narrativas opostas.

Um dia depois que Layla morreu, seu pai caminhou de uma mesquita secular depois das orações fúnebres, com o corpo da filha enrolado numa bandeira palestina e erguido no ar, enquanto uma multidão corria atrás dele cantando slogans sobre a sede de sangue de Israel.

Autoridades do Hamas, o grupo militar que controla Gaza, fizeram circular uma fotografia da criança sorridente. Para a família Ghandour, foi a segunda devastação pessoal recente. Há dois anos, o primeiro filho de Mariam Ghandour, Salim, sufocou depois que uma vela caiu em seu quarto durante um dos frequentes cortes de energia elétrica em Gaza. As chamas queimaram Ghandour e mataram seu filho, que tinha só 26 dias. 

As pressões da vida em Gaza —um enclave superpopuloso e pobre que sofre um bloqueio israelense há 11 anos— também contribuíram para o turbilhão de fatos e decisões que levaram o bebê à linha de frente no protesto de segunda-feira. 

Layla estava cochilando em sua casa em um canto pobre da Cidade de Gaza quando houve um chamado: um ônibus estava esperando diante de uma mesquita próxima para levar os moradores até a cerca na fronteira, onde a manifestação crescia. Seu tio de 12 anos, Ammar, pegou-a nos braços e a carregou pela porta.

O menino supôs que a mãe de Layla já estivesse no ônibus. Na verdade ela estava em outra parte da casa, com dor de dente. Mas Layla não era o único bebê no protesto. Famílias inteiras tinham acorrido, algumas tomando sorvetes ou comendo sanduíches, enquanto os manifestantes gritavam a algumas centenas de metros.

No final da tarde, Layla estava em uma tenda com suas tias quando começou a chorar. Ammar pegou a sobrinha pela segunda vez e, segundo ele, avançou pela manifestação em busca de sua avó, Heyam Omar, que estava no meio de uma multidão sob um véu de fumaça preta, gritando contra os soldados israelenses do outro lado da cerca.

Pouco depois que Omar pegou a criança, disse ela, uma lata de gás lacrimogêneo caiu ali perto. Ela limpou freneticamente o rosto da criança com água e lhe deu suco para beber. Mas dali a uma hora, depois de chegarem à casa da família, Layla parecia ter parado de respirar.

Quando eles chegaram ao hospital, às 6h34, os médicos declararam a criança morta. "Seus membros estavam frios e azuis", diz um relatório do hospital. A mãe de Layla se debruçou no leito do hospital e chorou sobre sua filha. "Senti como se meu coração tivesse sofrido um ataque", disse ela.

As regras do luto em Gaza, onde a dor privada muitas vezes é exibida com fins políticos, entrou em ação. Na manhã seguinte, o movimento secular Fatah ergueu uma tenda fúnebre diante da casa da família e pendurou uma bandeira com uma foto do bebê ao lado de uma imagem de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina.

A família Ghandour admitiu que Layla sofria de persistência do canal arterial (PCA), doença cardíaca congênita comumente descrita como um "buraco no coração". Um médico não identificado em Gaza disse à agência Associated Press que acreditava que um problema cardíaco, e não o gás lacrimogêneo israelense, foi a causa da morte de Layla.

As Forças de Defesa de Israel aproveitaram a incerteza. Seus soldados sofreram críticas crescentes desde a segunda-feira, quando mataram 60 pessoas e feriram centenas, provocando terror em outros países e reflexão interna sobre as táticas dos militares israelenses.

"Infelizmente, algumas das imagens arrasadoras foram de um perdedor", disse um porta-voz militar, o tenente-coronel Jonathan Conricus, em uma teleconferência com uma organização judaica nos EUA na terça-feira (15), segundo relatou o jornal "Haaretz". "As imagens fortes do lado palestino e a quantidade de baixas nos prestaram um enorme desserviço. Isso tornou muito difícil contar a nossa história."

Na terça, um porta-voz militar israelense disse no Twitter que o Exército tinha obtido "diversos relatos que levantam dúvidas" sobre a morte do bebê. Mas o Exército não respondeu a pedidos de cópias desses relatos na quarta-feira, dizendo apenas em uma declaração que a história de Layla era "propaganda do Hamas". 

Autoridades do Hamas não fizeram segredo de seu desejo de divulgar o caso. Com pouca chance de que seus seguidores pudessem cumprir as ameaças de atacar a cerca de Gaza nesta semana, os manifestos pretendiam principalmente conquistar a simpatia internacional. A história de Layla ajudou.

"Os israelenses não têm nada de substancial para prejudicar a narrativa palestina, por isso tentam perturbá-la com declarações aleatórias sobre Layla", disse Ashraf al-Qidra, um porta-voz do Ministério da Saúde em Gaza, que registra o número de baixas e tenta atrair publicidade em torno de casos de interesse. "Eles querem confundir a opinião internacional." 

No entanto, resta um ponto de interrogação sobre o caso. Um médico legista está fazendo a autópsia de Layla, segundo al-Qidra. Até que o médico dê sua conclusão, não será emitida uma certidão de óbito.
"Todos os sinais indicam que ela foi exposta a inalação de gás", disse ele. "Mas não temos certeza."

O doutor Gerald Ross Marx, professor-assistente de pediatria na Escola de Medicina de Harvard, disse ser duvidoso que a PCA fosse a única responsável por sua morte. "Não seria impossível, mas muito improvável, que ela tivesse morrido subitamente", disse ele. "A persistência do canal arterial pode ser comum, e a maioria é pequena e insignificante."

Seja qual for a verdade, os lados opostos usaram a morte do bebê para promover argumentos mais gerais. Para alguns, é uma medida do desespero palestino numa época em que eles se sentem abandonados por antigos apoiadores árabes e pelo governo dos EUA. 

O comentarista pró-israelense Alan Dershowitz atacou o que ele chama de "estratégia do bebê morto" do Hamas de colocar civis em risco como meio de atrair simpatia para a causa palestina.

Para a família de Layla, só há dor, frustração e a memória de sua filha de 8 meses. "Ninguém trabalha aqui. Ninguém pode sair. Sofremos diversas guerras", disse seu pai, Anwar al-Ghandour, que rejeitou os protestos na segunda-feira. "Nosso problema é a Fatah, nosso problema é o Hamas e nosso problema são os israelenses. Que Deus envie foguetes para destroçá-los."

Veja a versão de cada lado envolvido na história:

O que diz a família? 

Layla foi levada por seu tio, Ammar, 12, para o protesto. No final da tarde de segunda-feira, Layla estava em uma tenda com suas tias quando começou a chorar. Ammar pegou a sobrinha no colo e, segundo ele, avançou pela manifestação em busca de sua avó, Heyam Omar, que estava no meio de uma multidão sob um véu de fumaça preta, gritando contra os soldados israelenses do outro lado da cerca. Segundo Heyam, pouco depois de ter pego a criança no colo, uma lata de gás lacrimogêneo caiu perto de onde estavam. Ela limpou freneticamente o rosto da criança com água e lhe deu suco para beber. Depois de uma hora, já de volta à casa da família, Layla parecia ter parado de respirar. Quando eles chegaram ao hospital, às 6h34, os médicos declararam a criança morta. 

O que dizem os médicos?

A família Ghandour admitiu que Layla sofria de persistência do canal arterial (PCA), doença cardíaca congênita comumente descrita como um buraco no coração. Um médico não identificado em Gaza disse à agência Associated Press que acreditava que o problema cardíaco, e não o gás lacrimogêneo israelense, foi a causa da morte de Layla. Já Gerald Ross Marx, professor-assistente de pediatria na Escola de Medicina de Harvard, disse duvidar que a PCA fosse a única responsável por sua morte. “Não seria impossível, mas muito improvável, que ela tivesse morrido subitamente. A persistência do canal arterial pode ser comum, e a maioria é pequena e insignificante.”

O que diz o Exército de Israel?

Na terça-feira (15), um porta-voz militar israelense disse em uma rede social que o Exército tinha obtido “diversos relatos que levantam dúvidas” sobre a morte do bebê. O Exército não respondeu a pedidos da impressa para ver estes relatos e disse em declaração apenas que a história de Layla era “propaganda do Hamas”.

O que diz o Hamas?

O porta-voz do Ministério da Saúde em Gaza, Ashraf al-Qidra, criticou Israel e disse que “eles querem confundir a opinião internacional” sobre o caso. “Os israelenses não têm nada de substancial para prejudicar a narrativa palestina, por isso tentam perturbá-la com declarações aleatórias sobre Layla”, afirmou. Al Qidra disse ainda que a menina passa por uma autópsia e que “todos os sinais indicam que ela foi exposta a inalação de gás”.

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