Cartas conectam ex-guerrilheiros das Farc a colombianos
Objetivo do projeto é que 10 mil ex-combatentes recebam uma correspondência; 2.000 já foram entregues
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“Olá. Queria dizer que és muito importante para a Colômbia, queremos que mudem por e para nós. Estar em paz é melhor, salva muitas vidas e todos vivemos tranquilos. Vamos te receber com muito carinho para que faças parte de nós da melhor maneira, mas também queremos que te comprometas com este país.”
As palavras são de uma carta escrita à mão e enviada pela colombiana Karen Murillo para um ex-combatente das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
“Olá. Receba uma saudação fraternal e revolucionária. Queremos agradecer por todo o apoio e ânimo que nos trazem para a nossa reincorporação na vida civil. A reincorporação não é nada fácil”, responde um ex-guerrilheiro, em carta enfeitada com desenhos de canetinha laranja.
Iniciado em março de 2017, o projeto Cartas para a Reconciliação está conectando cidadãos colombianos a ex-guerrilheiros das Farc que entregaram as armas depois da assinatura do acordo de paz entre o governo e a guerrilha.
O propósito é reduzir a polarização no país durante a implementação do pacto assinado em 2016, segundo Leonardo Párraga, da Fundação Bogotart. Ele criou a iniciativa com dois cientistas políticos —Cristian Palacios, de Cali, e Franz Rodriguez, de Bogotá.
“Queremos romper o estereótipo [em relação às Farc], que é normalmente de discriminação e ódio. E poder conhecer estas pessoas não como terroristas que fizeram coisas horríveis para a Colômbia, mas pela história pessoal de cada um”, afirma. “E assim pensar em como os ex-combatentes são importantes para a reconciliação do país.”
A ideia surgiu após o trio assistir à fala do Nobel da Paz Kailash Satyarthi, ativista indiano que luta contra o trabalho infantil. Satyarthi disse que, em vez das pessoas enviarem cartas aos entes queridos no dia de São Valentim (Dia dos Namorados no Brasil), elas deveriam escrever para os refugiados, que precisam mais de compaixão.
“Vimos que podíamos adaptar esta ideia para os ex-combatentes”, diz Párraga. Voluntários ligados ao projeto vão para ruas, parques e universidades de grandes cidades colombianas munidos de papel em branco e caneta, e saem de lá com missivas que levarão para a selva —onde mora a maioria dos ex-combatentes.
Na maior parte das vezes, a entrega é feita pelos próprios escribas, em rituais de integração dos dois lados. Excursões saem de Cali em veículos conhecidos como “chivas” —que transportam até 40 pessoas— com destino às florestas, em uma viagem com duração entre cinco e seis horas.
Uma vez nos acampamentos, os ex-combatentes explicam para os remetentes o que são as Farc e quais razões os levaram a fazer parte do conflito. Eles entregam um bracelete como símbolo de união.
Em seguida, os autores —boa parte dos quais são estudantes universitários— leem suas cartas em voz alta e as entregam para os destinatários.
Juntos, bebem café e um refresco feito a partir da cana-de-açúcar conhecido como “água de panela”, em reunião que dura cerca de duas horas.
Os ex-Farc podem responder às cartas naquele momento ou redigi-las mais tarde e enviar, por um mensageiro, aos organizadores do projeto.
O objetivo é que cada um dos guerrilheiros que largou as armas receba uma carta —o número é estimado em 10 mil pelo organizador. Até agora, foram escritas 5.000 e entregues 2.000.
“Para muitos, é a primeira carta que recebem na vida e também a primeira mensagem de apoio”, diz Párraga, acrescentando que o ritual da entrega é carregado de emoção para os dois lados.
A iniciativa, que fez chegar sua primeira missiva seis meses após a assinatura do acordo, foi premiada na 17ª cúpula de ganhadores do prêmio Nobel, um evento que ocorreu no final de setembro, no México.
Cartas para a Reconciliação ganhou o prêmio de melhor ato comunitário, concedido pela organização One Billion Acts of Peace, que reconhece projetos para a paz levados a cabo em vários países.
Não apenas cidadãos comuns têm escrito. Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, enviou uma carta, na qual dizia que “a vida é lutar para ter tempo livre para os afetos”.
Mais direto foi Humberto Calle, o negociador-chefe do governo colombiano durante as tratativas do acordo: “Deixar as armas é também uma forma de liberdade! Há que se proteger a paz.”
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