Narcotráfico, EUA e repressão travam migrantes em abrigos e ruas do México

Viajantes que buscam cruzar a fronteira ficam retidos; apesar de recorde de detenções, tema é pouco abordado em campanha

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Cidade do México

Uma bandeira de campanha da principal candidata à Presidência virou reforço para uma barraca erguida na praça Caballito, exatamente ao lado do Congresso da União, a Câmara de Deputados do México. Ali vivem centenas de imigrantes, a maioria da Venezuela e do Haiti, entre eles algumas crianças brasileiras, filhas de haitianos.

Não muito longe, em uma caminhada que exige atenção devido à insegurança numa das zonas centrais da Cidade do México, ao menos outras duas praças também estão repletas de imigrantes com um desejo comum: chegar aos Estados Unidos.

Migrante venezuelano carrega um balde com água em campo improvisado na Cidade do México - Rodrigo Oropeza - 14.fev.24/AFP

O caminho, porém, tem diversos empecilhos. Desde o ano passado, três fatores têm retido cada vez mais pessoas que usam o México apenas como passagem.

Por meio de um aplicativo, o CBP One, o governo americano tem exigido que aqueles que desejam ir aos EUA solicitem uma reunião com o serviço migratório para fazer seu pleito de asilo e aguardem semanas, ou muitas vezes meses, para a marcação de dia e horário. Antes, a maioria podia pedir asilo após cruzar a fronteira.

A medida é alvo de protestos de organizações como a Human Rights Watch, que acusa os EUA de violarem o direito de asilo ao exigir que imigrantes sigam em territórios por vezes perigosos até que tenham direito de solicitá-lo.

O que leva ao segundo fator: ainda que a reunião com o serviço migratório seja realizada em algum posto na fronteira norte do México, a maioria dos imigrantes decide esperar na capital. O motivo é a segurança.

Dominada por organizações criminosas e pelo narcotráfico, a zona fronteiriça com os EUA se tornou palco frequente de sequestros, extorsões e abusos contra grupos de viajantes.

Além disso, a repressão dentro do próprio território mexicano aumentou junto com o fluxo migratório. Somente em 2023, o número de detenções de imigrantes no país chegou a 782 mil, 77% a mais que no ano anterior. Muitos são conduzidos até a fronteira sul, com a Guatemala, numa vã esperança do Estado de que façam o caminho reverso e deixem o país.

Jorge, 30, foi levado para Villahermosa, no estado de Tabasco, ao sul, em um ônibus repleto de imigrantes, após ser detido em Piedras Negras, na fronteira com o Texas. Mas não desistiu. Está de volta à Cidade do México e agora, sem outras perspectivas, planeja cruzar a fronteira como mula, carregando drogas de grupos que pagam propina aos policiais para que os imigrantes possam cruzar a região de mata da fronteira sem serem barrados.

O nome deste salvadorenho foi alterado a pedido dele para preservar sua segurança. A história de sua vida nos últimos oito anos é uma síntese do que se desenrola na fronteira EUA-México.

Solteiro, Jorge deixou El Salvador pela primeira vez em 2016. O padrasto havia falecido, e o peso de sustentar a casa, pagar a faculdade de engenharia de sistemas e driblar os níveis recorde de insegurança devido às pandillas (gangues) ficou grande demais.

Naquele ano, chegou ao México e, um ano depois, conseguiu cruzar para os EUA na chamada região do Nido de las Águilas, em Tijuana, que àquela altura não tinha um muro separando os dois países. "Mas é um lugar muito perigoso. As águias, afinal, alimentam-se de serpentes."

Naquele momento, havia um grande temor dos grupos criminosos. "Estava em alta o cartel Los Zetas, que tinha fama de ser muito cruel. Imigrantes sozinhos eram alvo de extorsão; se não tinham dinheiro, tiravam seus órgãos para vender no mercado ilegal."

O salvadorenho passou seis anos vivendo nos EUA, até que voltou a El Salvador e descobriu que a família não havia guardado ou mesmo melhorado a vida com todo o dinheiro que mandava mensalmente, fruto de três trabalhos informais que acumulava dia e noite.

Jorge, então, voltou ao México no fim de 2023, quando novamente tentou cruzar a fronteira ao lado de outros salvadorenhos. Todos pegaram a chamada besta, trem de carga no qual migrantes vão amontoados até o norte. Foi, então, deportado rumo ao sul.

Agora em sua terceira empreitada, não quer se arriscar a entrar com pedido de asilo pelo CBP One porque sabe que terá o pedido negado. Afinal, por anos viveu de maneira considerada ilegal nos EUA.

Cinco andares acima de onde Jorge falava com a reportagem, na Casa Tochan, um abrigo para homens imigrantes solteiros na capital mexicana, três afegãos haviam acabado de chegar.

Romal, Maid e Salandin fogem do regime fundamentalista do Talibã, e o Brasil foi a porta de entrada nas Américas. Em janeiro, eles conversaram com a reportagem enquanto viviam no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. O trio, que se conheceu no terminal, trabalhava no Exército, na segurança presidencial e em organizações humanitárias, todos setores virados do avesso com o retorno dos talibãs.

Neste meio-tempo, entre o início do ano e a nova conversa com a Folha na Cidade do México, os três afegãos cruzaram por terra nove países. No meio do caminho, enfrentaram o estreito de Darién, a chamada "selva da morte", inóspita e altamente perigosa.

"Mas o pior, o verdadeiro inferno, foi o México. Foram 12 dias de Tapachula [no sul do país] até a Cidade do México, a maior parte caminhando. Dormíamos em árvores para fugir dos assaltantes e dos olhares da polícia, que nos extorquia dinheiro sempre que possível", diz Romal. Eles pediram uma reunião via CBP One, mas naquele momento não faziam ideia de quando teriam sua chance de solicitar asilo nos EUA.

O México está a menos de um mês das eleições, em 2 de junho. As duas candidatas à Presidência não apresentaram propostas concretas para a migração. Em comum, a governista Claudia Sheinbaum e a opositora Xóchitl Gálvez propõem, de forma genérica, que uma "visão humanitária" seja dirigida aos migrantes.

A jornalista viajou a convite da Fundação Konrad Adenauer (KAS)

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