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Taiwan era um lugar seguro para artistas, até que os casos de Covid começaram a aumentar

Teatros e salas de concertos começam a fechar no momento em que voltam a abrir em outros países

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Javier C. Hernández
Taipé (Taiwan) | The New York Times

Por boa parte do ano passado, Taiwan foi uma espécie de refúgio seguro para músicos e artistas —um lugar raro, quase livre de Covid, onde as pessoas ainda podiam lotar salas de concerto para ouvir música ao vivo e tomar café juntas nos intervalos.

A ilha sediou festivais de dança moderna, produções completas de “La Traviata” e “O Fantasma da Ópera” e até um recital de Yo-Yo Ma tocando suítes de violoncelo de Bach ao qual compareceram mais de 4.000 pessoas. Mas um aumento recente nos casos de Covid —o pior surto em Taiwan desde o início da crise— levou à suspensão da vida cultural na ilha, obrigando centros de artes cênicas, salas de concertos e museus a fecharem suas portas justamente quando esses locais estão reabrindo no resto do mundo.

Taiwaneses em plateia vazia do National Concert Hall, em Taipé, capital de Taiwan - Ann Wang - 11.nov.20/Reuters

Artistas de Taiwan e de outros países foram pegos desprevenidos, sofrendo prejuízos financeiros e encarando uma avalanche de espetáculos cancelados. “Foi tudo para o espaço”, comentou o clarinetista americano Charles Neidich, que recentemente viajou 12.500 km de Nova York a Taipé apenas para ver aquela que seria sua primeira apresentação ao vivo em mais de 400 dias ser cancelada.

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Ele fora convidado para tocar um concerto de clarinete do compositor americano John Corigliano com a Taipei Symphony Orchestra. Fez quarentena de duas semanas em um hotel, uma das medidas rígidas que ajudou a ilha a manter o vírus sob controle. Mas na semana passada Taipé entrou em estado de semi-lockdown, então ele fez as malas e voltou para casa. “Foi minha aventura que não aconteceu”, disse.

O programa de vacinação lançado pelo governo de Taiwan demorou a começar, e o surto de Covid está forçando Taipé a fechar justamente quando outras cidades pelo mundo afora estão finalmente começando a reabrir. Em Londres, os teatros do West End reabriram na semana passada.

Autoridades em Nova York anunciaram que o Radio City Music Hall voltará a receber plateias cheias em breve. As pessoas não precisarão usar máscara no teatro, desde que tenham sido vacinadas.

O que está ocorrendo em Taiwan traz à tona outra vez a incerteza constante da vida na pandemia, o perigo representado pelo vírus e seu poder de subverter mesmo os planos mais cuidadosamente traçados. Exibições de “Falstaff”, de Verdi, foram suspensas. O musical francês “Notre Dame de Paris” foi adiado.

Embora o número de casos em Taiwan seja baixo quando comparado a muitas partes do mundo —283 infecções foram notificadas na terça-feira (25), menos que na cidade de Nova York—, as autoridades estão reforçando as restrições. A esperança é que com o lockdown o vírus possa ser controlado em questão de semanas ou meses, enquanto a ilha procura agilizar seu programa de imunização, que está atrasado.

Artistas estão otimistas quanto às chances de concertos, espetáculos teatrais e exposições retornarem em breve. “Este é um lugar acostumado com terremotos e tufões”, explicou Lin Hwai-min, fundador do Cloud Gate Dance Theater, companhia de dança contemporânea que adiou apresentações ao vivo até o final do verão no hemisfério norte. “A crise chega, a gente lida com ela e depois volta para restaurar tudo.”

Nos últimos 12 meses a companhia de dança sofreu prejuízos devido ao cancelamento de suas turnês previstas nos Estados Unidos e na Europa. Mas com as infecções quase ao nível zero em Taiwan e a população sedenta por entretenimento, a companhia pôde contrabalançar esses prejuízos graças à demanda interna grande, tendo estreado trabalhos novos diante de plateias com lotação esgotada.

“Antes, o fato de podermos nos apresentar ao vivo parecia surreal”, comentou Lin. “Agora, pela primeira vez, estamos encarando a realidade do vírus na própria pele, como nossos pares nos países ocidentais.”

O fechamento das fronteiras de Taiwan no início da pandemia e as medidas sanitárias rígidas adotadas pela ilha, incluindo a obrigatoriedade de máscaras e um programa extenso de rastreamento de contatos, converteu o território de 23,5 milhões de habitantes em uma história de sucesso no enfrentamento do vírus. Mas o surgimento de variantes mais contagiosas nos últimos meses, o relaxamento das regras de quarentena e a escassez de vacinas abriram uma fresta para o vírus entrar.

Antes disso, a ausência de transmissão ampla em Taiwan fez com que as salas de espetáculos pudessem continuar a funcionar com capacidade quase plena. Os teatros e as salas de concertos impuseram medidas sanitárias rígidas que foram reajustadas conforme o número de casos confirmados de Covid.

Em muitos espaços os membros do público tinham que informar nome e telefone para poderem ser rastreados no caso de um surto de Covid. O uso de máscara era obrigatório, assim como a verificação da temperatura das pessoas. Algumas salas de concerto proibiram a venda de alimentos e bebidas.

Em alguns dos locais, os assentos foram distanciados uns dos outros, formando desenhos parecendo flores, em um arranjo que ficou conhecido em Taiwan como “assentos em flor de ameixeira”.

Apesar de todos os cuidados adotados, houve surtos ocasionais. Mais de cem pessoas foram obrigadas a fazer quarentena em março do ano passado depois de entrarem em contato com o compositor australiano Brett Dean, que recebeu diagnóstico de coronavírus depois de apresentar-se em Taiwan.

O incidente chegou às primeiras páginas em Taiwan. Algumas pessoas ficaram indignadas com o fato de Dean (cujo “Hamlet” deve estrear no Metropolitan Opera em Nova York na próxima temporada) ter sido autorizado a tocar, apesar de estar com tosse. Lydia Kuo, diretora executiva da National Symphony Orchestra, que colaborou com Dean, disse que o susto ensinou à orquestra a importância de seguir medidas sanitárias rígidas, mesmo quando há quase zero infecções por Covid. “Estávamos enfrentando um inimigo desconhecido”, explicou ela. “Tivemos a sorte de enfrentar essa realidade muito cedo.”

Tradução de Clara Allain

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