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Haiti pede ajuda dos EUA e da ONU com tropas militares após assassinato do presidente

Em nova leva de prisões, polícia troca tiros com grupo que tentou se esconder na embaixada de Taiwan em Porto Príncipe

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São Paulo, Porto Príncipe e Taipé | AFP e Reuters

Com a tensão e a incerteza que tomaram conta do Haiti após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, o governo do país caribenho pediu que os Estados Unidos e a ONU enviem tropas militares para ajudar a proteger peças-chave da infraestrutura local, como aeroporto e reservatórios de gasolina.

O governo americano não confirmou o envio das tropas, mas a Casa Branca afirmou que mandará agentes do FBI e do Departamento de Segurança Interna, além de vacinas contra a Covid ao único país das Américas que ainda não começou a imunizar sua população.

Já o pedido à ONU traz à memória a Minustah, missão que reuniu, entre 2004 e 2017, tropas para tentar estabilizar o Haiti. A operação teve protagonismo do Brasil, que, excetuando-se breves intervalos, comandou um contingente internacional que chegou a ter mais de 7.000 militares de 22 países.

Armas apreendidas com suspeitos de assassinar o presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em Porto Príncipe - Tcharly Coutin - 9.jul.21/Xinhua

Os Estados Unidos foram envolvidos na morte de Moïse desde o começo, depois que autoridades haitianas afirmaram que alguns dos assassinos falavam inglês com sotaque americano e se apresentaram como agentes do DEA, órgão antidrogas do país, para entrar na casa do presidente.

O Departamento de Estado dos EUA, responsável pela diplomacia americana, correu para descartar a teoria, mas a hipótese de responsabilidade do país ganhou força depois que dois haitianos-americanos foram presos na quinta-feira (8), um dia após o assassinato, junto a um grupo de 15 colombianos.

Um terceiro ator estrangeiro acabou envolvido na confusão: Taiwan. Dos 17 presos até agora, 11 foram detidos após tentarem invadir a embaixada da ilha asiática e trocarem tiros com a polícia. Junto com eles, passaportes colombianos, rifles, facões, rádios comunicadores, alicates e martelos.

Joanne Ou, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores taiwanês, disse nesta sexta que os seguranças do prédio perceberam a presença do grupo no pátio do edifício e avisaram a cúpula da embaixada e a polícia. O prédio, que fica próximo à casa onde Moïse foi morto, já tinha sido esvaziado na quarta por questões de segurança e, por isso, não havia ninguém no local no momento da invasão.

A revelação do caso joga luz na relação entre Porto Príncipe e Taipé. O Haiti é um dos 15 países do mundo a reconhecer Taiwan como um país independente. A pequena cifra se deve à pressão exercida pela China, que considera a ilha uma província rebelde e, por isso, recusa-se a manter relações diplomáticas com quem mantém elos formais com Taiwan. “Nesse momento difícil, o governo de Taiwan reitera seu apoio à capacidade do primeiro-ministro interino, Claude Joseph, em liderar o Haiti durante essa crise e a restaurar a ordem democrática. Taiwan condena fortemente essa ação violenta e bárbara”, afirmou Ou.

A polícia haitiana afirma que, até o momento, a investigação indica que 28 pessoas participaram do crime. Além dos que já estão presos, outros quatro criminosos foram mortos na noite de quarta, durante confronto com as forças de segurança, e o restante do grupo está foragido. Os haitianos-americanos presos foram identificados como James J. Solages, 35, e Joseph Vincent, 55. Segundo o New York Times, eles dizem terem sido contratados como tradutores pelos colombianos.

Solages tem um site voltado a ações de caridade para crianças no Haiti, e na descrição da página se define como "agente diplomático certificado" e "ex-comandante chefe dos guarda-costas" da embaixada do Canadá no país caribenho. A descrição foi removida na quinta, mas ainda é possível encontrá-la em arquivos na internet. Americano naturalizado, ele vive em Tamarac, na Flórida, e não tem antecedentes criminais. Detalhes da vida de Vincent, por sua vez, não foram divulgados até a tarde desta sexta.

Fontes ligadas a órgãos americanos de inteligência disseram à agência de notícias Reuters que os EUA abriram uma investigação interna para apurar o envolvimento dos detidos com o assassinato. Já o governo da Colômbia entrou na investigação depois de confirmar a presença de 17 militares reformados do país na lista de envolvidos no crime —além dos 15 presos, 2 dos mortos.

Entre os nomes já identificados está o de Manuel Antonio Grosso Guarín, ex-membro da elite do Exército colombiano, suspeito de liderar o grupo de mercenários que matou Moïse, segundo a revista Semana.

Guarín e três outros ex-militares colombianos teriam viajado em 4 de junho de Bogotá para a República Dominicana. Dois dias depois, o grupo cruzou a fronteira por via terrestre, de acordo com o jornal El Tiempo —fotos no Facebook de Guarín mostram ele em Punta Cana nesse período. Outra leva de colombianos teria chegado ao Haiti em maio, a partir de um voo de Santo Domingo, capital dominicana.

Há, ainda, a suspeita de que seguranças do presidente estejam envolvidos no assassinato. Um ex-senador, Steve Benoit, levantou a hipótese em seu programa de rádio nesta sexta. "Moïse foi assassinado por seus agentes de segurança. Não foram os colombianos. Foram contratados pelo Estado haitiano", afirmou.

Depois, o diário El Tiempo publicou reportagem segundo a qual uma fonte ligada às investigações afirmou que os mercenários colombianos chegaram à casa do presidente uma hora e meia após a morte, corroborando a hipótese de que Moïse pode ter sido assassinado pelos seus agentes.

Com a morte do presidente, o premiê interino Claude Joseph assumiu o comando do país e declarou estado de sítio durante duas semanas, medida que amplia os poderes do Executivo. Há dúvidas, porém, sobre sua legitimidade, já que o sucessor de Moïse, segundo a Constituição, seria o presidente da Suprema Corte. O cargo, porém, está vago desde que seu titular, René Sylvestre, morreu de Covid-19.

Na noite desta sexta, o Senado do país aprovou uma resolução para indicar Joseph Lambert, líder da Casa, como presidente do país. O Senado, no entanto, conta atualmente com apenas 10 dos 30 assentos preenchidos, e só oito parlamentares concordaram com a medida.

De acordo com a resolução aprovada, citada pela agência DW, Lambert deve conduzir o país até 7 de fevereiro de 2022 e terá a missão de organizar novas eleições. Os senadores consideraram que Joseph não pode seguir no cargo de premiê nem governar o país, pois ele foi destituído por Moïse na segunda (5).

Ariel Henry deveria ter assumido o posto na quarta, dia do assassinato de Moïse, mas os desdobramentos do crime acabaram impedindo a transferência de poder. Assim, Joseph segue no comando, com o apoio dos EUA e da ONU, sob o discurso de que a prioridade no momento é encontrar os mandantes da morte.

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Tanto os mandantes quanto as motivações do crime, porém, seguem desconhecidas. A hipótese de os assassinos serem estrangeiros já havia sido levantada pelo próprio Joseph pouco depois do crime. Ele disse na quarta-feira que os criminosos foram ouvidos falando em inglês e espanhol, o que indicaria que não são haitianos, já que os idiomas oficiais do país são o francês e o crioulo.

Segundo a imprensa local, citando o juiz encarregado do caso, Moïse foi encontrado com ao menos 12 marcas de tiros. “O escritório e a sala foram saqueados. Nós o encontramos deitado de costas, [usando] calça azul, camisa branca manchada de sangue, boca aberta, olho esquerdo furado”, disse o magistrado Carl Henry Destin ao jornal haitiano Le Nouvelliste.

Jomarlie, filha do casal, estava em casa durante o ataque, que ocorreu pela madrugada, mas conseguiu se esconder num dos quartos. A primeira-dama, também baleada, foi transferida para receber tratamento em Miami e, segundo Joseph, está fora de perigo e em situação estável.

Na quinta, centenas de pessoas se reuniram do lado de fora da delegacia em que os suspeitos estão detidos em Porto Príncipe. Aos gritos de "queimem-nos", atearam fogo em um veículo que presumiram ser dos assassinos. A ação, que se soma a um longo histórico de manifestações violentas nas ruas haitianas, levou o premiê interino do país a fazer um apelo para que a população não linche os suspeitos.

O caso acirrou a crise política do país, que tinha no centro da disputa uma discussão sobre o término do mandato de Moïse. Ele foi eleito em 2015 e deveria ter tomado posse em 7 de fevereiro de 2016 para um mandato de cinco anos. Em meio a acusações de fraudes, porém, o pleito foi anulado e teve que ser refeito no ano seguinte. Durante esse período, o país foi comandado por um governo interino.

Moïse saiu vencedor na nova votação e assumiu o comando do Haiti em 7 de fevereiro de 2017. Como o mandato presidencial no país é de cinco anos, ele alegava que deveria permanecer no cargo até fevereiro de 2022, portanto —uma alegação apoiada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A oposição, porém, defendia que seu mandato deveria ter se encerrado em fevereiro deste ano.

Em meio a essa discussão, o então presidente decidiu suspender dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos e passou a comandar o país via decretos —o que rendeu uma onda de protestos contra o governo e acusações de autoritarismo.

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