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Reunificação prometida por Xi vê nacionalismo jovem em Taiwan como obstáculo

População que nasceu na ilha e perdeu vínculo com a China defende independência em vez de retomada do poder no continente

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São Paulo

A promessa do líder chinês, Xi Jinping, de "resolver a questão de Taiwan" e fazer a reunificação completa com o país asiático, definida por ele no centenário do Partido Comunista como "missão histórica e compromisso inabalável", esbarra não só na aproximação da ilha com potências ocidentais, mas também no aumento do nacionalismo entre jovens taiwaneses.

Se, de um lado, a China age com paciência estratégica e, até o momento, evitou uma ação militar concreta, do outro o país sabe que o sentimento pró-independência cresce na ilha à medida que o tempo passa.

Na celebração dos 100 anos do PC, na última semana, Xi disse que vai "agir de maneira firme para derrotar completamente qualquer tentativa de independência". "Ninguém deve subestimar a resolução, a vontade e a habilidade do povo chinês de defender sua soberania e integridade territorial", afirmou o dirigente chinês.

Em Taiwan, o Conselho de Relações com a China Continental, órgão responsável por dialogar com Pequim, respondeu clamando que "o outro lado aprenda com a história", faça reformas democráticas, deixe de lado os anseios expansionistas e aja com responsabilidade para promover a paz regional.

Restaurante decorado com a bandeira de Taiwan na cidade de Taoyuan, no norte da ilha - Ann Wang/Reuters

A questão taiwanesa está no cerne da ascensão do Partido Comunista, que governa o país desde 1949, após vencer a guerra civil contra o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês, ou KMT, na sigla em mandarim).​ Derrotados, os membros da legenda fugiram para Taiwan, e a questão até hoje nunca foi de fato resolvida: oficialmente ainda se referem a si mesmos como República da China, e a reivindicação do poder sobre a parte continental, nas mãos dos comunistas, está expressa até na Constituição taiwanesa.

Do outro lado do estreito, a China, embora considere a ilha uma província rebelde, não tem qualquer controle administrativo sobre o território, diz Gustavo Feddersen, professor de relações internacionais na Universidade La Salle (RS) e ex-pesquisador na National Chengchi University, em Taipé, capital taiwanesa.

Taiwan hoje tem eleições livres e moeda própria, além de políticas econômicas e sociais independentes do continente. "O que a China tem sobre Taiwan é uma influência econômica, devido à interdependência que se criou por investimentos em ambos os lados", afirma Feddersen. E o Kuomintang, antes inimigo de guerra, é quem mais evita tensões com os comunistas hoje, já que o partido representa o empresariado e quer manter um bom ambiente de negócios. "Isso cria uma situação curiosa em que o Partido Comunista tem boas relações com a direita e não gosta do que pode ser identificado como a esquerda."

O professor se refere ao Partido Democrático Progressista (PDP), da presidente Tsai Ing-wen, mais identificado à defesa dos direitos humanos. Eles defendem não a retomada do poder na China, mas a independência, representando assim os anseios de uma população que nasceu e teve filhos na ilha e perdeu o vínculo com a porção continental há décadas.

O PDP retornou ao comando da ilha em 2016, impulsionado por manifestações organizadas por movimentos estudantis que pararam o país dois anos antes, no que ficou conhecido como Revolta do Girassol, em referência à flor adotada como símbolo pelo grupo. Por quase um mês entre março e abril de 2014, estudantes foram às ruas contra um acordo comercial entre China e Taiwan fechado à época pelo KMT, tido pelos manifestantes como muito subserviente a Pequim.

Os protestos reuniram mais de cem mil pessoas, e os estudantes ocuparam por três semanas a sede do Legislativo taiwanês. Como resultado, os atos minaram a aprovação do KMT, e Tsai foi eleita. Como representante desse sentimento independentista, a atual presidente usa muito mais a palavra Taiwan para se referir ao território que seus antecessores, que preferiam chamar a ilha de República da China.

Segundo a última Pesquisa de Segurança Nacional de Taiwan, de dezembro, 75% dos taiwaneses disseram já considerar o país independente. Mas quando questionados sobre uma declaração unilateral de independência —mesmo que a atitude resultasse num ataque militar chinês—, 51% se disse favorável.

Assim, ainda que a população veja a independência como algo inevitável, o resultado do levantamento dá uma pista de como os habitantes de Taiwan preferem evitar uma retaliação da China, dona de um dos maiores poderios militares do mundo hoje. Essa postura ficou clara nesta semana, quando um ex-vice-premiê do PDP disse num programa de rádio que o país passa por uma realidade cruel: uma nação independente na prática, mas que não pode declarar independência sob o risco de retaliação.

Em resposta, o Kuomintang afirmou que, se há risco de ataque chinês, como o próprio PDP admite, a legenda deveria parar de falar em independência. Também pediu que a presidente Tsai fizesse um gesto explícito para mostrar que não há risco de uma declaração unilateral.

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Outro exemplo do que se pode chamar de autocensura foi visto três anos atrás. Taiwan compete nos Jogos Olímpicos como Taipé Chinesa, por pressão geopolítica da China para evitar que outras nações reconheçam a ilha como um país independente. Em 2018, porém, um referendo perguntou à população, entre outras coisas, se o nome da delegação olímpica deveria mudar para Taiwan. Mas, diante de ameaças de Pequim de que não deixaria a ilha disputar a competição seguinte caso a delegação trocasse de nome, 56% da população preferiu deixar a denominação como estava.

Ao passo que cresce a pressão internacional contra a China, potências ocidentais se aproximam de Taiwan, como os EUA, que doaram vacinas contra a Covid-19 para a ilha e retomaram negociações comerciais, afirmando querer trabalhar em "estreita colaboração não apenas em maneiras de aprofundar as relações de comércio e investimento, mas também como parceiros democráticos".

Mesmo aliados da ilha, no entanto, buscam evitar um conflito militar. Na segunda (5), o vice-premiê do Japão, Taro Aso, afirmou que se a China invadir a ilha "o Japão e os EUA devem defender Taiwan juntos".

Com reação negativa de Pequim, que chamou o comentário de "errado e perigoso", políticos chineses se apressaram em dizer que a declaração representava uma opinião pessoal, e não do Estado japonês. Pouco depois, Aso recuou e disse a jornalistas que um conflito deveria ser resolvido pela diplomacia.

Os próprios parceiros de Taiwan não o reconhecem diplomaticamente como um país independente —apenas 15 países têm relações oficiais com a ilha. Há, então, risco real de guerra entre a China e Taiwan?

A reunificação é vista pelo Partido Comunista como uma das últimas pendências para concretizar a unificação nacional prometida na revolução de 1949, quando a legenda assumiu o controle de um país fragmentado e atacado por potências estrangeiras durante todo o século anterior.

Mas, para Feddersen, no cenário atual, se não houver o que analistas internacionais chamam de "cisne negro", ou um fato imprevisível, como uma declaração unilateral de Taiwan ou alguma ação concreta de Estados Unidos ou Japão, um conflito armado não está no horizonte próximo.

"Mas a China sabe muito bem que não pode deixar essa indefinição seguir, porque quanto mais tempo se passa mais Taiwan caminha em direção à independência", diz. O pesquisador afirma que a China valoriza muito datas comemorativas, "então talvez não fique para esta década, mas analistas dizem acreditar que até o centenário da República Popular da China, em 2049, a China vai querer isso resolvido".

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