Em meio a protestos, Haiti diz ter impedido golpe contra o presidente

Jovenel Moïse governa o país via decreto depois de ter fechado o Legislativo no ano passado; oposição e manifestantes pedem a sua saída

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Porto Príncipe | AFP e Reuters

O governo do Haiti anunciou no domingo (7) a prisão de mais de 20 pessoas, alegando que elas estavam envolvidas numa tentativa de golpe de Estado e num complô para assassinar o presidente Jovenel Moïse. Mas os detalhes da acusação ainda não foram apresentados.

Os detidos —sob acusações que a oposição disse terem sido forjadas— incluíam um juiz da Suprema Corte e um dos inspetores gerais da polícia.

O caso é mais um episódio da crise política que se arrasta há mais de um ano no Haiti e se soma a uma série de problemas: o Legislativo está fechado, o presidente comanda através de decretos, e a quantidade de protestos na rua contra o governo tem aumentado.

No centro da disputa está uma discussão sobre o término do mandato de Moïse. Ele foi eleito em 2015 e deveria ter tomado posse em 7 de fevereiro de 2016 para um mandato de cinco anos.

Em meio a acusações de fraudes, porém, o pleito foi anulado e teve que ser refeito no ano seguinte. Durante esse período, o país foi comandado por um governo interino.

Moïse saiu vencedor na nova votação e assumiu o comando do Haiti em 7 de fevereiro de 2017. Como o mandato presidencial no país é de cinco anos, ele alega que deve permanecer no cargo até fevereiro de 2022, portanto —uma alegação apoiada pela Organização dos Estados Americanos e pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Já a oposição considera que o período de um ano de governo interino deve ser incluído na contagem, mesmo que Moïse não fizesse parte dele. O Superior Tribunal de Justiça do Haiti também concorda com essa visão de que o mandato dele teria terminado exatamente no último domingo, 7 de fevereiro de 2021.

As prisões realizadas pelo governo aconteceram logo depois que figuras importantes da oposição haitiana anunciaram um plano para substituir Moïse por um novo chefe de Estado, que seria escolhido entre os juízes da Suprema Corte.

Também no domingo, milhares de pessoas foram às ruas em diversas cidades para pedir a saída do atual presidente —na capital, Porto Príncipe, houve confronto com a polícia.

Manifestantes queimam uma bandeira americana em Porto Príncipe, durante um protesto para exigir a renúncia do presidente haitiano Jovenel Moïse
Manifestantes queimam uma bandeira americana em Porto Príncipe, durante um protesto para exigir a renúncia do presidente haitiano - Valerie Baeriswyl - 7.fev.2021/AFP

Em um discurso de uma hora, dado no mesmo dia dos protestos e das detenções, Moïse desprezou seus detratores. “Eu não sou um ditador”, disse ele. “Meu mandato termina em 7 de fevereiro de 2022.”

Em uma entrevista coletiva, o primeiro-ministro Joseph Jouthe —que é aliado do presidente— informou que 23 pessoas haviam sido detidas no domingo, incluindo um magistrado, e que a polícia também apreendera dinheiro, armas e munições.

Ele ainda disse que essas pessoas teriam entrado em contato com funcionários da polícia no palácio presidencial para realizar a conspiração. “A missão era prender o presidente e também facilitar a posse de um novo presidente", afirmou.

"O sonho dessa gente era atentar contra minha vida. Graças a Deus isso não ocorreu. O plano foi abortado", disse Moïse no aeroporto da capital, ao lado da mulher e do primeiro-ministro, antes de embarcar para a cidade balneária de Jarmel.

Além da polêmica sobre o mandato, Moïse enfrenta acusações de autoritarismo. Ele governa o país através de decretos desde o ano passado, depois de suspender dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos. O Haiti atualmente tem apenas 11 funcionários eleitos no cargo, com o presidente se recusando a realizar qualquer eleição nos últimos quatro anos.

A oposição nega a tentativa de derrubar o atual governo pela força. "Não se faz um golpe de Estado com duas pistolas, três ou quatro fuzis", afirmou à agência de notícias AFP o advogado André Michel, líder da coalizão contra o governo. Ele acusou Moïse de "escolher a via da repressão política".

O plano da oposição para trocar o comando do país exigia que membros da sociedade civil e líderes políticos escolhessem um novo presidente entre os juízes da Suprema Corte, em vez de esperar pelas eleições gerais marcadas para setembro. Segundo Michel, se o presidente não renunciar, a oposição fará mais protestos.

"Estamos esperando que Jovenel Moïse abandone o palácio nacional para poder proceder a posse de Mécene Jean-Louis", continuou , referindo-se ao juiz Joseph Mécène Jean-Louis, membro do Tribunal de Cassação.

Em uma mensagem de vídeo, Jean-Louis leu um breve discurso no qual afirmou que aceitaria "a escolha para poder servir ao país como presidente interino da transição" —o que fez aumentar as tensões.

Um referendo sobre a nova Constituição está marcado para abril, e a oposição teme que o voto não seja livre e apenas encoraje tendências autoritárias de Moïse, o que o presidente nega. Neste ano deviam ser realizadas também eleições legislativas e municipais, mas elas foram adiadas.

Na sexta-feira (5), os EUA apoiaram o argumento de que o mandato de Moïse termina em fevereiro de 2022 e pediram "eleições legislativas livres e justas para que o Congresso possa retomar o poder que lhe cabe".

O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, enviou um aviso a Moïse sobre o adiamento das eleições e a decisão por decreto. “O povo haitiano merece a oportunidade de eleger seus líderes e restaurar as instituições democráticas do Haiti.”

Com The New York Times

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