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Estoniana, futura chefe da diplomacia da UE se credencia por experiência com Rússia

Ex-primeira-ministra Kaja Kallas focará defesa da Ucrânia sem aceno de concessões a Moscou; 'conhecemos nosso vizinho', disse logo após início da guerra

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Milão

A trajetória de Kaja Kallas, 47, até a nomeação para chefiar a diplomacia e a política de segurança da União Europeia pelos próximos cinco anos ganhou impulso dias após a Rússia invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Em discurso no Parlamento Europeu em 9 de março daquele ano, a então primeira-ministra da Estônia, vestida de amarelo e usando no peito uma fita com as cores da bandeira ucraniana, mostrou suas credenciais. Falou de sua familiaridade histórica com as iniciativas imperialistas de Moscou e de como o bloco deveria dar as cartas ao agressor, Vladimir Putin.

Kaja Kallas, futura chefe da diplomacia da União Europeia, fala a jornalistas na sede do bloco, em Bruxelas - 28.jun.24/AFP

"Nós, estonianos, temos experiência com a Rússia, a qual temos tentado compartilhar com a UE desde a adesão [em 2004]. Faz 78 anos que o Exército Vermelho bombardeou a minha cidade natal, Tallinn [capital da Estônia]", afirmou Kallas à época.

Ela também alertou para a longa duração do conflito, iniciado havia apenas duas semanas, e para a urgência em fortalecer a capacidade de defesa da UE, com mais investimento. "Teremos de exercitar paciência estratégica porque a paz não vai irromper amanhã. (...) Ao reforçar a defesa europeia, temos de encontrar o consenso dentro da UE de que, às vezes, a melhor forma de alcançar a paz é a disposição de usar a força militar."

Depois disso, Kallas ganhou o apelido de "nova dama de ferro", uma referência à primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990). Sua visão atraiu a simpatia de outros líderes, e ela chegou a ser cotada para assumir a Otan, a aliança militar ocidental. Proporcionalmente, a Estônia, sob seu governo, foi o país que mais destinou recursos para a Ucrânia, com 1,64% do PIB. Há cinco meses, Moscou emitiu um mandado de prisão contra Kallas, devido à destruição de monumentos soviéticos.

Nas tratativas após a eleição para o Parlamento Europeu, em junho, ela foi indicada para o cargo de Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança. Com status de vice-presidente da Comissão Europeia, será subordinada à recém-reeleita Ursula von der Leyen. Sua posse deve ocorrer até o fim do ano, junto com os demais integrantes do novo braço executivo do bloco.

"Era muito importante escolher alguém que conhecesse bem a Rússia. Kallas nasceu sob a União Soviética, e a Estônia sabe bastante do expansionismo russo. É uma mensagem muito clara para Moscou", diz à Folha Péter Balázs, professor emérito da Universidade da Europa Central e ex-ministro de Relações Exteriores da Hungria.

Segundo Balázs, a principal diferença de Kallas para o atual chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, está ligada justamente à origem de ambos. "Borrell é excelente, mas vem da Espanha, muito longe da Rússia. Os países bálticos têm uma longa experiência com o comportamento russo."

Para a pesquisadora Merili Arjakas, do Centro Internacional de Defesa e Segurança, com sede em Tallinn, a troca de Borrell por Kallas reflete as mudanças na relação da Europa Ocidental com a Rússia e as prioridades para os próximos anos.

"Kallas entende que Putin representa uma ameaça à ordem mundial que os países europeus têm desfrutado desde a Segunda Guerra, baseada na integridade territorial. Putin ainda tem uma mentalidade imperial", afirma Arjakas.

Na visão de Kallas, o fim da guerra na Ucrânia não deve ser buscado a qualquer custo, se a paz significar deixar as coisas como estão. "A Rússia tomou uma grande porção do território da Ucrânia, um país soberano e independente. Isso significaria que a agressão compensa", disse à revista "New Statesman", em 2022. "Se a Rússia não for punida, haverá uma pausa de um, dois anos, e tudo continuará."

Ela também defende a emissão conjunta de títulos pela União Europeia, os eurobonds, no valor de € 100 bilhões (R$ 610 bilhões), para investimento na indústria de defesa. A ideia é apoiada pelo francês Emmanuel Macron, mas enfrenta resistência da Alemanha.

Quando Kallas nasceu, a Estônia estava sob jugo soviético. Frequentemente, ela menciona o fato de a mãe, a avó e a bisavó terem sido deportadas pelo regime stalinista para a Sibéria, no fim dos anos 1940.

Do lado paterno, é filha de Siim Kallas, ex-primeiro-ministro e ex-integrante da Comissão Europeia. "Quando meu pai estava negociando a adesão da Estônia à Otan, era sempre questionado: 'Por que vocês precisam disso? A Rússia não representa mais uma ameaça.' Nós conhecíamos nosso vizinho naquela época e o conhecemos hoje", disse ela, no discurso de Estrasburgo.

Depois de ter atuado como advogada, entrou para a política e foi eleita para o Legislativo em 2011. Três anos depois, obteve uma cadeira no Parlamento Europeu. De volta à Estônia, ganhou novo mandato no Congresso e, em 2021, se tornou primeira-ministra, cargo que manteve até o último dia 15, quando renunciou para se preparar para a função na UE.

Europeísta e liberal –seu partido faz parte do grupo Renova no Parlamento Europeu–, Kallas é descrita como séria e calma, mas bem-humorada. Nos últimos meses, estava em fase descendente na política interna, devido ao aumento de taxas e a um escândalo envolvendo seu marido.

Em agosto passado, a imprensa revelou que ele trabalhava como sócio e diretor financeiro em uma empresa que manteve negócios na Rússia mesmo após a invasão, enquanto a então premiê apelava para que companhias europeias interrompessem os vínculos com Moscou.

Fora da Estônia, há uma certa inquietação para conhecer o ponto de vista dela sobre outros temas, como a guerra Israel-Hamas e as relações da UE com América Latina e China. Arjakas e Balázs não consideram que o diálogo com o Brasil vá ser prejudicado pelo fato de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se esquivar de responsabilizar claramente Putin pelo conflito.

O ex-chanceler húngaro afirma que a UE não possui uma política externa comum a todos os membros e que as posições são decididas por consenso entre os líderes nacionais. "Felizmente, na UE, os vários membros representam diversas orientações geográficas. Para a América Latina, sempre haverá Portugal e Espanha."

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