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Descrição de chapéu Estados Unidos

EUA têm população pobre excessiva para economia mais rica do planeta

Quase 40 milhões de pessoas, ou 10% dos americanos, estão no grupo; porcentagem é maior que a do Canadá e Coreia do Sul

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São Paulo

Perto de 40 milhões de pessoas são pobres nos Estados Unidos, o que é excessivo para a economia mais rica do planeta. São pobres 10% dos americanos, e a porcentagem é bem maior que a do Canadá, Coreia do Sul ou Alemanha.

Essa informação não é inédita, mas serviu para deslanchar uma recente reportagem sonora de bom fôlego na NPR, a rádio pública dos EUA. No programa, especialistas gravitaram em torno de Matthew Desmond, professor em Princeton, prêmio Pulitzer e autor de "Poverty by America" (Pobreza de autoria americana), inédito no Brasil.

Um acampamento de pessoas em situação de rua debaixo de uma ponta no centro de Los Angeles, na Califórnia - Apu Gomes - 25.jul.24/AFP

A NPR não se propõe a reconstruir a longa história das carências materiais de um país de passado escravocrata ou sobre o qual o aristocrata francês Alexis de Tocqueville já dizia, na primeira metade do século 19, que os empresários fabris exauriam seus operários e os mandavam, para recuperarem a saúde, a entidades beneméritas.

O que a reportagem faz é repassar os momentos em que a pobreza americana ganhou visibilidade política.

Foi assim no pós-1945, quando ela sobreviveu ao pleno emprego, e um autor como Michael Harrington desmontou o mito segundo a qual a pobreza era apenas um estágio provisório de trabalhadores em inevitável ascensão. Ao contrário, argumentou, o pobre faz parte de um conjunto seguido de gerações.

Veio em 1960 o presidente Dwight Eisenhower e seu primeiro apelo à luta contra a pobreza. Mas as medidas só seriam formatadas em 1964 com o presidente Lyndon Johnson. À época, generalizou-se o "Food Stamp" (selo fornecido pelo governo e trocado por comida nos supermercados).

Uma economista chamada Mollie Orshansky, que assessorava Johnson, deu a primeira definição de quem seria legalmente pobre. Era o caso, segundo ela, de quem gastava um terço ou mais de seu orçamento em alimentação.

De certo modo, os EUA acordaram para a existência da pobreza e passaram a dissocia-la da versão idiota de que o pobre era apenas aquele que não gostava de trabalhar. O governo falava agora em "guerra à pobreza" e, de 1960 a 1970, ela caiu pela metade.

Nos anos 1990 foi instituído um novo índice em substituição ao de Orshansky, que é adotado até hoje e inclui a comida, mas também planos de saúde, auxílio em pensões e sobretudo despesas com moradia, de aluguel ao financiamento da casa própria. Esse novo índice passou a ser conhecido pelo neologismo Tanf (sigla em inglês para Ajuda Temporária para Famílias Carentes) e, sem ele, a proporção de pobres nos EUA seria com certeza maior.

Acontece que esse dinheiro é federal e enviado a cada ano aos estados, que são pouco criteriosos em seus gastos. Matthew Desmond relata, por exemplo, que inexiste um controle para que a verba não custeie colônias de férias cristãs, aconselhamento pré-conjugal ou outras finalidades que nada têm a ver com a pobreza.

Desmond diz que, na salada feita por essa montanha de dinheiro, também é considerada como auxílio a famílias carentes a possibilidade de se descontar do Imposto de Renda uma parcela dos juros pagos para a compra da casa própria.

O problema é que se pode financiar com o mecanismo residências secundárias ou tudo o que dê para morar dentro, como iates. Esses detalhes acabam desencadeando a seguinte aberração: esses incentivos custam por ano US$ 26 bilhões, mas o grosso de seus beneficiários são brancos e pertencem aos 20% dos americanos de maior rendimento familiar. Não são os pobres.

É por isso que prevalece nos EUA uma certa confusão. O dinheiro para programas beneficentes é maior que o destinado às famílias carentes. E é dessa massa maior de dólares que saem os US$ 3 trilhões de benefícios previstos pelo orçamento de 2023.

Mas a NPR e seu principal convidado, Matthew Desmond, não caem na armadilha de qualificarem essas distorções como o produto do neoliberalismo, pelo qual só os mais ricos seriam os beneficiados, relegando os realmente pobres à condição de bucha de canhão na retórica oficial. Não é assim.

Vejamos. Todos os programas de distribuição de renda no primeiro ano de governo do conservador Ronald Reagan (1981) custaram para cada contribuinte americano US$ 1.000. Caso o neoliberalismo tivesse diminuído o papel do Estado, esse montante teria caído.

Mas não foi o que aconteceu. Ele subiu para US$ 3.400 no primeiro ano do governo de Donald Trump (2017). Descontada a inflação, o aumento real foi de 237%, diz Desmond, que é considerado no meio acadêmico um homem de esquerda.

"The Roots of Poverty in America"

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