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David Brooks

Como Trump pode ganhar eleição dos Estados Unidos

Republicano sai vitorioso se a pecha de elitista colar no Partido Democrata e se o pessimismo com a economia perdurar

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David Brooks

Colunista do The New York Times e comentarista nas redes PBS, NPR e NBC. É autor, entre outros, de 'Bubos no paraíso: A nova classe alta e como chegou lá' e leciona na Universidade Yale.

The New York Times

Imaginemos que estamos em 6 de novembro de 2024, o dia seguinte às eleições presidenciais nos Estados Unidos.

As pessoas na campanha republicana deveriam dar graças a Deus pela vitória apertada de Donald Trump, dada a incompetência política que tiveram em julho e agosto. Nas seis semanas entre 21 de julho, quando Joe Biden desistiu da corrida, e o início de setembro, eles só tinham que fazer uma coisa: definir Kamala Harris como uma esquerdista de elite de San Francisco antes que ela pudesse definir a si mesma como uma centrista de classe média.

Donald Trump, candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA, durante debate eleitoral na Filadélfia - 10.set.24/AFP

Esse erro poderia ter sido fatal para os republicanos, porque Trump é o homem dos 46%. Essa é aproximadamente a parcela do voto que ele obteve em 2016 e 2020. Ele nunca teria como surfar em uma onda majoritária para vencer em 2024, então teria sido útil diminuir alguns pontos da sua oponente.

Mas esse é o padrão Trump. Ele parece fazer de tudo para sabotar suas próprias campanhas, mas ainda se sai surpreendentemente bem nas eleições. Mesmo com as semanas fantásticas que ela teve até setembro, Kamala não estava em tão boa forma quanto Hillary Clinton em 2016 ou Biden em 2020. Kamala tinha uma liderança de cerca de 2 pontos em 1º de setembro, mas Hillary liderava com cerca de 4 ou 5 pontos percentuais nesta época e acabou perdendo. Isso ocorre em parte porque as pesquisas constantemente subestimam Trump.

A vitória de Trump em 2024 se resume a esses cinco pilares do trumpismo:

As pessoas preferem o modelo republicano

Os estados dos EUA com crescimento populacional mais rápido são em sua maioria governados por republicanos, como Flórida, Texas, Idaho e Montana. Os estados com encolhimento ou estagnação mais rápidos são em sua maioria governados por democratas, como Nova York, Illinois, Califórnia, Pensilvânia e Havaí. O modelo republicano oferece moradia barata, impostos mais baixos e uma economia aquecida. O modelo democrata oferece altos custos de moradia, impostos elevados e forte desigualdade.

Os democratas querem expandir o estado de bem-estar social para que ele se pareça mais com o da Europa. Mas a Europa está estagnada economicamente. Em 2021, as famílias na União Europeia tiveram, em média, apenas 61% da renda disponível para os americanos. Por esse critério, países europeus ricos como a Noruega estão atrás de estados americanos pobres como o Mississippi.

Muitos eleitores americanos podem invejar as longas férias dos europeus, mas na verdade o que querem é mais dinamismo econômico. Eleitores em estados-pêndulo vinham dizendo há anos que a economia e a inflação eram suas principais preocupações. Eles olharam em volta e concluíram que a abordagem republicana parecia melhor para gerar dinamismo e crescimento, ou pelo menos melhor do que a proposta de Kamala.

Os democratas são o partido da classe dominante

A divisão mais importante na vida dos americanos é a divisão do diploma. Pessoas com diploma universitário tendem a votar nos democratas, e pessoas com ensino médio completo tendem a votar nos republicanos. Assim, os lugares mais ricos tendem a ser democratas. Os democratas dominam a mídia, as universidades, as instituições culturais e o governo. Até as grandes empresas, sediadas em lugares como Nova York e San Francisco, estão tendendo para o lado democrata.

Os democratas da classe dominante vivem em um mundo muito diferentes daquele dos republicanos com diploma de ensino médio. Essas pessoas morrem nove anos mais cedo do que alguém com ensino superior, são mais propensas a serem obesas, casam-se menos e se divorciam mais. A taxa de mortes por overdose para graduados do ensino médio é cerca de seis vezes maior do que a taxa para quem tem diploma universitário. É claro que os eleitores se ressentem dessas desigualdades.

O populismo global é uma revolta contra tudo isso —impulsionada pelo sentimento de que a classe dominante tem poder cultural, acadêmico, político e econômico demais. A revolta é alimentada quando profissionais altamente educados menosprezam ou nem sequer percebem as massas sobre as quais estão apoiados e quando estudantes de universidades de elite que gastam mais de US$ 100 mil por ano em mensalidades fingem ser vítimas marginalizadas.

Democratas como Kamala acham que é necessário aumentar o tamanho do Estado para ajudar os oprimidos. Mas muitos americanos olham para esses esforços e veem apenas pessoas abastadas acumulando mais poder para si mesmas em Washington. Eles concluem: é isso que as elites sempre fazem. Elas prometem fazer coisas por nós, mas acabam servindo apenas a si mesmas.

Coesão social e moral

Republicanos podem ser individualistas na economia, mas democratas também o são quando o assunto é moralidade. Eles são mais propensos a acreditar em uma liberdade moral segundo a qual indivíduos devem ser livres para viver de acordo com seus próprios valores.

Os indivíduos têm o direito de escolher sua própria definição de quando a vida humana começa. Qualquer forma de vida familiar e social é aceitável, desde que os indivíduos dentro dela deem seu consentimento. Isso é a privatização da moralidade.

No entanto, na maioria dos lugares, as pessoas são formadas dentro de comunidades moralmente coesas. Elas tiram um senso de pertencimento e solidariedade a partir de valores morais compartilhados.

Por isso, a falta de ordem social e moral é uma calamidade para pessoas menos educadas. Para elas, a política econômica não é separada de questões sociais e valores morais. As coisas que arrasam suas vidas são relacionamentos rompidos, infidelidade, gravidez fora do casamento, abuso de drogas, conflitos familiares e crime. Quando os republicanos falam sobre imigração, segurança pública, fé, família e nação, estão falando sobre maneiras de preservar a ordem social e moral. Os democratas são bons em falar sobre solidariedade econômica, mas não sobre solidariedade moral e cultural.

Insatisfação geral

Muitos americanos não estão sentindo a política da alegria que Kamala está tentando trazer para sua campanha. À medida que a corrida eleitoral começava em setembro, apenas 25% dos americanos estavam satisfeitos com o rumo do país, de acordo com a Gallup, enquanto 73% estavam insatisfeitos. De acordo com a Ipsos, 59% dos americanos disseram que o país estava em declínio, 60% concordaram com a frase "o sistema está quebrado", 69% disseram que "a elite política e econômica não se importa com as pessoas trabalhadoras" e 63% concordaram que "os especialistas neste país não entendem a vida de pessoas como eu".

Em outras palavras, muitos americanos se sentem traídos, desconfiados, irritados. Eles sentem que o sonho americano foi destruído. Trump, como todos os populistas globais, conta bem essa história de traição.

O problema da bolha democrata

Bill Clinton e Barack Obama viveram à sombra das vitórias de Ronald Reagan e George W. Bush. Clinton e Obama entenderam o problema da bolha democrata: se você passa a vida toda ouvindo o que democratas das grandes cidades dizem uns aos outros, então você não vai entender os EUA. Tanto Clinton quanto Obama adotaram posturas rígidas para mostrar que não eram nativos da bolha democrata: a lei de crimes, a reforma dos benefícios sociais, as posturas de Obama sobre imigração ilegal, casamento entre pessoas do mesmo sexo e combustíveis fósseis.

Clinton e Obama ainda são populares em todo o país, mas são desprezados por muitos dos quadros que trabalham em campanhas e governos democratas. Em círculos progressistas, os ex-presidentes são frequentemente descartados como neoliberais que foram cúmplices na preservação da ordem capitalista.

Essa guinada para a esquerda produziu a loucura de 2020 de tirar verbas da polícia e descriminalizar a fronteira. Também teve efeitos econômicos duvidosos. Os novos quadros estavam convencidos (com razão) de que Obama não estimulou suficientemente a economia após a crise financeira. Em resposta, decidiram estimular ao máximo a economia após a pandemia. Acabaram exacerbando a inflação e destruíram as perspectivas de reeleição de Biden antes mesmo que a questão da sua idade se tornasse tão dominante.

Eu sei quem eu queria muito que ganhasse —Kamala. Mas muitos democratas sempre estiveram um pouco eufóricos demais a seu respeito. Uma vitória de Trump nunca dependeu de conduzir uma campanha brilhante. Dependia desses cinco motores impulsionando apoio suficiente em alguns lugares importantes para que ele vencesse.

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