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Descrição de chapéu Panamá

Criança brasileira vive há quase 1 ano em abrigo do Panamá após cruzar Darién

Caso da menina que perdeu a mãe na chamada 'selva da morte' tem poucas perspectivas de solução no curto prazo

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Buenos Aires

Liliane completa 2 anos de idade em uma semana e começa a arranhar suas primeiras palavras. Mas as pronuncia em espanhol, não em português, o idioma de seu país de origem, o Brasil, e também a de Angola, a terra natal de sua mãe, Sandra.

A bebê está há dez meses em um abrigo no Panamá após cruzar a perigosa e inóspita selva de Darién, trecho da extensa rota terrestre em direção aos Estados Unidos, com a mãe. Mas chegou à saída da floresta carregada por outros imigrantes. Sandra, relataram, morreu na travessia.

Então com pouco mais de um ano, Liliane foi entregue em dezembro a equipes dos Médicos Sem Fronteiras, organização humanitária que posteriormente o então governo do Panamá impediu de atuar na região de Darién. Depois, foi levada ao abrigo, onde permanece.

O caso da bebê nascida na capital paulista é hoje incerto e de poucas esperanças, e enquanto espera uma resposta, Liliane continua vivendo as primeiras partes de sua infância no mesmo abrigo que já recebeu ao menos outras duas crianças do Brasil em situações muito semelhantes às dela. Seu sobrenome e o de sua mãe serão preservados.

Órfã, Liliane estava registrada apenas pela mãe na certidão de nascimento, e não há pistas de quem é seu pai biológico. Tampouco há detalhes sobre a provável morte de Sandra na selva de Darién. A floresta tem rios caudalosos, animais e pequenas gangues armadas.

Sua única família identificada até aqui está distante, no Maine, na costa leste dos EUA: seus meio-irmãos Alexandre João, 20, e Andre, 16, e o pai deles, Lolo João, 59. Os três vivem no país desde 2018, quando partiram de Luanda, a mesma origem de Sandra, que não acompanhou os filhos e, anos depois, emigrou para o Brasil.

Eles mantinham contato com a mãe. Mas não faziam ideia de que ela deixaria o Brasil para, por meio de Darién, tentar chegar aos EUA. "O plano era conseguir o green card e então trazê-la para os EUA", relata à reportagem Alex, como o primogênito é chamado. Mas a mãe decidiu tentar outro caminho.

Os filhos souberam de toda a situação quando um imigrante que estava em Darién pegou o celular de Sandra e ligou para o último contato na lista de chamadas, uma prima, a quem avisou sobre o ocorrido. Essa parente então avisou aos meio-irmãos de Liliane que a bebê, a quem apenas conheciam por videochamadas, estava sozinha no Panamá.

Agora, eles querem se reunir com a meia-irmã e cuidar dela. A questão é que não têm a guarda de Liliane. Lolo João, o pai dos meio-irmãos da bebê, diz estar disposto a criá-la, mesmo não sendo seu pai biológico e tendo estado há anos separado de Sandra. "Vou deixar a irmã de sangue dos meus filhos lá, sozinha? Eu, como pai, não posso fazer isso."

Até aqui a família não solicitou a guarda da bebê à Justiça do Brasil, a quem cabe analisar o caso. Lolo e Alex afirmam que conseguiram um advogado pro bono com ajuda da deputada americana Chellie Pingree, que representa o Maine. A reportagem tentou falar por meio dos contatos institucionais com sua equipe, que não respondeu.

No caso de a família solicitar a guarda de Liliane e de a Justiça do Brasil decidir positivamente, ainda será preciso que a bebê tenha um visto americano para se reunir com seus parentes, que não a conhecem.

Enquanto isso, a menina brasileira segue sob os cuidados do abrigo gerido por uma ONG católica nos arredores da Cidade do Panamá. O Itamaraty acompanha seu caso, e funcionários da embaixada do país no Panamá a visitam para levar roupas e alimentos. O Panamá já pediu ao Brasil que assuma a responsabilidade por Liliane.

O dilema, explicam reservadamente interlocutores que tratam do caso, é que a única opção viável para a menina, hoje, é transferi-la para outro orfanato, no Brasil, opção que não veem como adequada. Enquanto isso, esperam que a família tome uma posição ou que outro parente, talvez mais próximo, entre em contato.

De pele retinta, olhos castanhos e cabelo preso em pequenos puffs no penteado feito pelas freiras, Liliane é uma menina forte e saudável. Mas pouco sorri, relatam aqueles que com ela têm contato.

Mais de 16,5 mil crianças brasileiras já cruzaram a selva de Darién, na maioria das vezes acompanhadas de seus pais imigrantes, desde 2019, quando a floresta entre a Colômbia e o Panamá se tornou uma rota migratória de forma mais expressiva. Somente neste ano, até o final de agosto, teriam sido 559 menores brasileiros, segundo os dados oficiais.

Como Liliane, uma outra menina brasileira filha de mãe angolana também chegou desacompanhada à saída da selva no final de 2023. Levada pelo pai biológico para Darién sem que a mãe soubesse, ela ficou cinco meses no mesmo abrigo no qual segue Liliane até que pudesse ser reunida com sua mãe em São Paulo.

Uma outra menina brasileira, esta filha de haitianos, também vive no abrigo. Ela foi encontrada na saída da mata, sozinha, em 2019. Recém-naturalizada panamenha, aguarda ser adotada por alguma família.

Após mais de 520 mil imigrantes cruzarem a selva de Darién ao longo de 2023, os números começaram a apresentar queda neste ano, sob a gestão linha-dura do novo presidente do Panamá, o ex-ministro da Segurança José Raúl Mulino.

Até agosto deste ano, foram 238 mil pessoas que cruzaram a selva, ante 333 mil do mesmo período do ano anterior, em uma redução de quase 30%.

Mas não se sabe se essa redução se manterá. ONGs humanitárias afirmam que o agravar da crise sociopolítica na Venezuela após a contestada reeleição do ditador Nicolás Maduro e a possibilidade de que Donald Trump, antimigração, retorne à Presidência nas eleições de novembro, podem levar mais imigrantes a se sentirem motivados a tomar a rota rumo aos EUA por meio de Darién.

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