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Queimadas custam ao menos R$ 2 bi em SP, e seca deve aumentar prejuízos no Brasil

Setores da economia ainda contabilizam perdas; especialistas dizem que outros efeitos da atual crise climática podem ser descobertos

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Rio de Janeiro e São Paulo

Perdas bilionárias podem ser só o início das consequências da seca e do avanço das queimadas no Brasil. A intensificação da crise climática nas últimas semanas pressiona serviços básicos, como fornecimento de energia e água, e reforça alertas para os possíveis impactos econômicos dos eventos extremos no longo prazo, segundo especialistas consultados pela Folha.

No estado de São Paulo, os prejuízos da agropecuária com os incêndios se aproximavam de R$ 2 bilhões, conforme balanço atualizado na quinta (12) pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Há impactos nas atividades de gado de corte, leite, cana-de-açúcar, frutas, mel e derivados, celulose e extração de látex. O governo estadual disse que viabilizou R$ 110 milhões para ações voltadas a produtores afetados.

Área de mata nativa queimada próximo a lavouras de café na cidade de Pedregulho, no interior de São Paulo - Joel Silva - 13.09.2024/Folhapress

Estimar as perdas com a crise ainda em andamento é uma tarefa difícil, dizem analistas, já que os efeitos não são totalmente conhecidos.

Para Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, o fato é que o contexto atual reforça o alerta para mudanças importantes na economia no longo prazo.

"O mundo precisa de ações mais concretas para evitar cenários catastróficos nos próximos anos. No caso brasileiro, a questão climática afetando a agricultura é a maior preocupação [econômica]. Vai demandar projetos de irrigação e seguro. E seguro rural é uma coisa relativamente mal desenvolvida no Brasil", afirma.

O economista diz que, devido ao período de entressafra, culturas como soja e milho, predominantes na agricultura brasileira, não sofreram impactos relevantes das queimadas até o momento.

A grande preocupação é se a escassez hídrica se prolongar nos próximos meses, prejudicando o plantio de verão desses e outros produtos.

Para concluir a safra de grãos de 2024, falta basicamente ao Brasil colher culturas de inverno, como trigo, aveia e cevada, apontou Carlos Barradas, gerente do LSPA (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola), em nota divulgada na quinta pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O IBGE prevê queda de 6% para a produção deste ano, em cenário associado em grande parte a problemas climáticos como falta de chuva em meses anteriores da temporada, além das enchentes no Rio Grande do Sul.

"Este mês estamos iniciando o plantio da safra de verão e está faltando chuva, que tem de chegar até meados de outubro para o produtor poder plantar e ter uma boa janela de produção", disse Barradas.

Em balanço atualizado na sexta (13), a Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil) passou a estimar em cerca de R$ 1,2 bilhão o prejuízo das queimadas em canaviais de São Paulo.

Relatório da consultoria LCA afirmou que a seca e os incêndios recentes "ampliam riscos de alta para a inflação e de baixa para o PIB", que mede o nível de atividade econômica no país.

A análise aponta que o contexto atual já levou a uma mudança nas bandeiras tarifárias de energia elétrica e começa a pressionar os preços de alimentos.

Em setembro, a bandeira vermelha patamar 1 entrou em operação no país, o que significa um acréscimo na conta de luz de R$ 4,463 para cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos.

Olhando mais à frente, mesmo que melhorias de infraestrutura de geração e distribuição de eletricidade e expansão de fontes alternativas possam ajudar, elas demandariam bastante tempo para se mostrarem efetivas na mitigação dos efeitos de períodos de escassez de chuvas, afirma a LCA.

"E é inegável que, se a situação climática continuar a piorar, os impactos sobre a economia, a médio e longo prazo, tenderão a ser cada vez mais adversos –principalmente por prejudicar o fornecimento de energia e a produtividade agropecuária", diz a consultoria.

Glaucio Toyama, presidente da comissão de seguro rural da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), afirma que as seguradoras ainda calculam os prejuízos da crise atual.

A dimensão ainda não é conhecida porque os avisos de sinistros ainda não pararam de chegar às empresas. De acordo com Toyama, uma das questões que preocupam é a possível perda de fertilidade do solo em áreas atingidas por incêndios.

"Os prejuízos vão continuar acontecendo. Controlar o fogo não é simples", diz.

De 1º de agosto a 10 de setembro, municípios brasileiros relataram R$ 1,1 bilhão em danos decorrentes de incêndios florestais, conforme a CNM (Confederação Nacional de Municípios).

A entidade, contudo, reconhece que o dado pode estar subestimado, porque muitas prefeituras não teriam informado ainda os danos.

"Ainda assim, o valor de agora será maior do que o registrado nos anos anteriores", diz a confederação.

Possíveis impactos em florestas e fontes de água

Consequências da crise na manutenção da biodiversidade em áreas florestais ainda carecem de dados, de acordo com Malu Ribeiro, diretora da SOS Mata Atlântica.

"Áreas de restauração foram queimadas, sementes se perderam", diz. O mesmo se aplica, segundo a especialista, à gestão de recursos hídricos.

Com a chegada das chuvas, é esperado que poluentes em suspensão na atmosfera sejam transferidos para a superfície, contaminando solos e mananciais.

Regiões com sistemas de tratamento de água mais complexos têm capacidade de diminuir com segurança os impactos dos resíduos na saúde humana, segundo Leonardo Capeleto de Andrade, engenheiro ambiental e pesquisador do Cepas (Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas) da USP. A adaptação, entretanto, poderia aumentar custos e exigir a utilização de mais produtos químicos.

"As empresas terão que fazer essa compensação se a água que chegar para ser tratada estiver alterada", afirma.

O pesquisador diz que, em locais onde o tratamento de água é menos complexo ou inexistente, a população estará exposta a uma série de agentes patológicos.

"O problema não é a água só ficar turva. Quando temos queimada de madeira, o carbono se transforma em outros tipos de poluentes, alguns potencialmente cancerígenos."

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) afirmou que até o momento não foi detectado impacto das queimadas nos reservatórios de sistemas produtores de água.

Também declarou que segue monitorando a situação e que está apta a promover "eventuais ajustes no tratamento", caso sejam necessários.

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