Descrição de chapéu imigrantes

Bebê brasileira levada à selva de Darién sem autorização volta para casa após 5 meses

Criança fora raptada pelo pai e levada para perigosa rota rumo aos EUA; outra menina do Brasil segue em abrigo panamenho

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Buenos Aires

Mais de cinco meses longe da mãe e de sua terra natal, a bebê brasileira de 1 ano e 10 meses levada pelo pai sem autorização e abandonada na selva de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, enfim retornou para o Brasil na manhã desta terça-feira (28).

Desde o final de dezembro passado, quando foi entregue ao serviço migratório do Panamá após sair da floresta carregada por imigrantes do Haiti, a bebê filha de uma angolana que vive em São Paulo estava em um abrigo nos arredores da Cidade do Panamá.

A angolana Verônica Maravilha Simão Antônio, mãe da bebê brasileira levada para Darién, em sua casa em São Paulo
A angolana Verônica Simão Antônio, mãe da bebê brasileira levada para Darién, em sua casa em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

A menina estava sob custódia do Serviço Nacional de Infância e Família panamenho. Em 2019, quando a selva que separa o país da Colômbia se tornou de maneira mais expressiva uma rota de migração por terra para chegar aos Estados Unidos, a nação desenvolveu protocolos para casos de crianças que terminam a travessia da selva sozinhas.

Com intermédio da Autoridade Central Federal, o órgão do governo brasileiro responsável por casos de adoção e subtração internacional de menores, a defesa da mãe teve tratativas com a Justiça do Panamá para a liberação da menina, que ocorreu somente neste mês de maio.

Ela desembarcou nesta terça-feira no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, trazida pela advogada da família após um amplo imbróglio para conseguir viabilizar as passagens de ida e de volta, uma vez que a mãe, Verônica Simão, não dispunha do dinheiro necessário.

A família inicialmente tentou que o Ministério das Relações Exteriores viabilizasse as passagens, um tema que estava sob análise da pasta. Diante da demora, uma organização internacional se ofereceu para custeá-las, o que permitiu o retorno da bebê.

Em nota, a Exodus Road, organização voltada ao combate do tráfico de pessoas, afirma que o caso da menina brasileira é um "símbolo de esperança e resiliência", "que mostra que, com o apoio adequado, é possível mudar vidas e restaurar a dignidade das vítimas".

Com base em Colorado Springs, nos EUA, a organização atua no Brasil ofertando treinamento e capacitação para forças de segurança, como a Polícia Federal (PF), sobre tráfico de pessoas. A ONG também custeou o hotel onde a advogada pernoitou antes de buscar a bebê.

Casos como o da bebê paulista não são isolados. Como a Folha mostrou na série de reportagens "Darién, a selva da morte", no mesmo abrigo onde permaneceu a criança por quase um semestre estão ao menos outras duas crianças nascidas no Brasil e que chegaram ao outro lado da selva em condições semelhantes.

Uma delas, coincidentemente, chegou ao fim da travessia no mesmo dia que a menina que acaba de retornar ao Brasil. Com idade semelhante, ela também é filha de imigrantes angolanos. Acredita-se que tenha sido levada pela mãe, de quem tampouco se sabe o paradeiro.

A bebê é acompanhada pela embaixada do Brasil no Panamá. A única informação obtida sobre sua família é a de um irmão maior de idade que vive na costa leste dos EUA.

Ele teria interesse em receber a bebê. O setor consular brasileiro, no entanto, ainda busca a melhor solução para o caso —se levá-la ao Brasil e colocá-la sob custódia de uma instituição ou se ajudá-la a se reunir com seu irmão nos EUA.

No caso da bebê que acaba de voltar para sua mãe, ela foi levada para a perigosa rota de Darién em dezembro pelo pai biológico, um imigrante angolano, que não consta no registro de nascimento da bebê. A mãe, Verônica, fora enganada por ele, que buscou a filha dizendo que ia levá-la para um passeio e nunca mais voltou.

A última notícia sobre o pai biológico é de que ele deixou a criança com um parente que o acompanhava na rota e disse que dali a poucas horas os alcançaria, o que nunca ocorreu. Este, por sua vez, entregou a menina ao grupo de haitianos, que a levou até o final da travessia.

Segundo pessoas envolvidas no caso, nem o Panamá nem os EUA têm informações do paradeiro do pai biológico, uma vez que ele não foi registrado nos postos de migração, o que aumenta a suspeita de que ele tenha morrido na travessia —densa e inóspita, a selva de Darién é extremamente perigosa para imigrantes.

Desesperada e ainda nos primeiros dias sem a filha, Verônica conseguiu acessar a conta do ex-companheiro em uma rede social. Ali descobriu uma série de conversas nas quais ele buscava dicas com outros imigrantes que já haviam chegado aos EUA. Eles teriam ajudado o pai biológico a falsificar os documentos da bebê e um par de autorizações simulando que a mãe havia autorizado que a filha saísse do país.

Há uma investigação correndo no 8º Distrito Policial, no Brás, região central de São Paulo, por subtração de incapaz, furto a residência e falsificação de documento. A unidade tenta localizar o pai biológico, que também teria roubado documentos e dinheiro de Verônica.

Desde 2019, mais de 16,4 mil brasileiros cruzaram a selva de Darién. E, segundo os dados oficiais, são praticamente todos menores de idade filhos de imigrantes que viviam no Brasil havia muitos anos, como os haitianos, e decidiram emigrar devido a dificuldades econômicas.

Neste 2024, a floresta apelidada de "selva da morte" caminha para registrar recorde de cruzamentos. De janeiro ao último dia 23, 160 mil imigrantes haviam chegado ao fim da travessia, do lado panamenho, segundo dados oficiais. Menores de idade são cerca de 22% do total.

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