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Heresia política

Projeto da Bíblia imutável contraria a laicidade e expõe ignorância de deputados

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Funcionários trabalham na gráfica da Sociedade Bíblica do Brasil, em Barueri (SP) - Carlos Cecconello/Folhapress

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"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." A célebre passagem do Evangelho de Lucas parece se aplicar bem a um projeto de lei que, de forma inexplicável, foi aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados.

Com um único e genérico artigo, a norma proposta pelo deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) veda "qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos, sendo garantida a pregação do seu conteúdo em todo território nacional".

O pastor deputado, vale lembrar, é reincidente em propostas estapafúrdias. Recentemente, quis proibir o uso da palavra "Bíblia" e da expressão "Bíblia Sagrada" fora do contexto tradicional cristão.

As pretensões, agora, soam ainda mais absurdas. Ao propor que as instituições brasileiras protejam o texto sagrado de uma religião específica, o dispositivo afronta o princípio constitucional da laicidade do Estado —vale dizer, o poder público não se mistura com religião, sem apoiar nem discriminar qualquer forma de devoção.

Caberia indagar, por exemplo, se o mesmo se aplicaria ao Corão muçulmano ou à Torá judaica, para ficar apenas nas outras grandes denominações monoteístas.

A tentativa de inscrever em pedra o livro sagrado cristão comete ainda o sacrilégio de tratar as Escrituras como um texto único, que não comporta variações.

A Bíblia é múltipla. Há a versão católica, estabelecida finalmente no Concílio de Trento, no século 16, e a variante protestante, que conta com sete livros a menos e é a utilizada pelos evangélicos —para nada dizer da Bíblia ortodoxa e de outras denominações minoritárias do cristianismo.

Além disso, há diferentes traduções da Bíblia em português, cada qual com suas próprias nuances, vertidas tanto do latim como do grego, no caso do Novo Testamento. Qual deveria ser tombada?

Tantos disparates, lamentavelmente, não foram suficientes para evitar que a proposta recebesse o apoio maciço dos partidos, da direita à esquerda —decerto como uma estratégia para granjear a simpatia de um crescente eleitorado evangélico. Apenas Novo, Rede e PSOL manifestaram-se de forma contrária ao texto absurdo.

Só resta agora esperar que o Senado não cometa o mesmo pecado da Câmara e barre essa heresia à Constituição e ao bom senso.

editoriais@grupofolha.com

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