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Eloísa Machado de Almeida

O estado de defesa é uma alternativa diante da calamidade no Rio Grande do Sul? NÃO

Medida não trará mais investimentos nem melhorará a articulação federativa

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Eloísa Machado de Almeida

Advogada, é doutora em direito (USP) e professora da FGV Direito SP; coordenadora do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, membro da Comissão Arns e do CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos)

A Constituição Federal diz que, em casos onde a ordem pública e a paz social estejam ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou por calamidade de grandes proporções da natureza, poderá ser decretado o estado de defesa.

O estado de defesa e o estado de sítio funcionam como medidas de suspensão temporária da normalidade constitucional: em cenário grave, para evitar que o pacto constitucional se rompa, algumas de suas disposições são flexibilizadas e alguns poderes são majorados. Por significar medida de exceção constitucional, tem um prazo máximo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30.

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Bombeiros entregam alimentos para pessoas ilhadas pela inundação em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Um estado de defesa permite restrições a direitos de sigilo de comunicações, da liberdade de reunião, ampliando poderes de autoridades administrativas para efetuar prisões por "crimes contra o Estado".
Em um estado de defesa, assim, temos menos direitos, não mais.

Não à toa, o estado de defesa é a antessala do estado de sítio, medida ainda mais gravosa para o exercício de direitos fundamentais.

Seria uma forma regulada de anormalidade constitucional. Na teoria, há quem diga que isso não existe: uma vez assumida a excepcionalidade, não haveria retorno. A história corrobora essa ideia, mostrando que o uso de estado de defesa ou de sítio serviu como passagem para um estado de exceção duradouro.

Diante da experiência histórica do país, é importante fazer um alerta: nem estado de defesa nem estado de sítio dão qualquer papel às Forças Armadas, que seguem submetidas ao poder civil. O papel das Forças pode até ser relevante sob a coordenação das autoridades eleitas, mas está longe de oferecer as respostas que uma catástrofe climática, como a do Rio de Grande do Sul, exige.

Diante dessas características constitucionais do estado de defesa, fica a pergunta: a sua decretação ajudaria em algo diante da calamidade climática que assola o Rio Grande do Sul?

Ainda que se trate de calamidade de grandes proporções da natureza —o que parece ser a descrição exata do cenário do Rio Grande do Sul—, o estado de defesa não apresenta nenhuma utilidade para a superação prática do problema. Não traz mais investimentos, nem mais políticas públicas, tampouco permite melhor articulação federativa. Como dito, em um estado de defesa, temos menos direitos, não mais.

O instrumento usado para lidar com a situação foi a decretação de calamidade pública, que, por previsão constitucional e legal, permite a injeção imediata de recursos fora das amarras do limite de gastos e de prévias dotações orçamentárias, sem que represente um ato de irresponsabilidade fiscal.

A decretação de calamidade pública permite, ademais, a obtenção facilitada de recursos para medidas de caráter emergencial como desobstrução de vias, obras para suprimento de energia, esgotamento, drenagem de águas pluviais e abastecimento de água potável, dentre outros. Tudo isso está previsto e regulado em lei.

O Rio Grande do Sul precisa de direitos sociais (como saúde, moradia e alimentação) para aqueles que perderam suas casas, precisa de assistência àqueles que perderam seus empregos, de apoio aos setores econômicos afetados. Precisa de políticas públicas eficientes, robustas e constantemente reavaliadas para reconstruir o estado. Precisa de bons políticos que sejam aliados da ciência e reconheçam que a mudança climática impõe novos desafios à gestão. O Rio Grande do Sul precisa de mais Constituição e de mais direitos, não menos.

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