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Patrícia Valim

Até quando pesquisadoras-mães serão desrespeitadas no Brasil?

Parecer do CNPq expõe anacronismo das agências de fomento à pesquisa no Brasil

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Os termos de um parecer do CNPq sobre um projeto de pesquisa para obtenção de bolsa produtividade submetido ao órgão pela professora-doutora Maria Carlotto, pesquisadora e docente da UFABC, chocou boa parte da comunidade científica brasileira.

Nele, o/a parecerista reconheceu o mérito da pesquisa, mas negou a bolsa à pesquisadora em razão da ausência de estágio de pesquisa no exterior, decorrente das gestações que "atrapalharam" a carreira da docente. Não foi o único parecer misógino e assediador explicitado nas redes sociais nos últimos dias, infelizmente. Entretanto foi o mais paradigmático do anacronismo das agências de fomento à pesquisa científica no Brasil.

Sede do CNPq - CNPq/BBC News Brasil

Em nota, o coletivo de pesquisadoras-mães Parent in Science, com atuação nacional e reconhecimento internacional, repudiou o caráter misógino e assediador do parecer e cobrou uma resposta do CNPq em relação à falta de consistência e transparência nos critérios de avaliação adotados.

Vladimir Safatle, professor titular da USP, chamou atenção para o fato de que o referido parecer foi escrito por pares, isto é, um/uma colega de trabalho considera que a maternidade "atrapalha" a carreira científica da candidata. Débora Diniz, por sua vez, professora e pesquisadora da UnB, reforçou as críticas acima e foi além ao chamar atenção para o caráter colonialista do parecer ao considerar o estágio de pesquisa no exterior como algo central para a validação de uma pesquisa científica.

Além de desconsiderar a decisão da pesquisadora, a pandemia e a impossibilidade de viajar e o debate incontornável sobre decolonialidade das ciências e outras epistemologias, o parecer também desconsidera duas questões fundamentais para as pesquisadoras-mães.

Primeiro são as condições materiais. Em um contexto sem reajuste salarial para o funcionalismo público desde 2016 e com corte de verbas para as universidades públicas e pesquisas científicas também desde 2016, as agências de fomento não cobrem os custos totais de uma pesquisadora-mãe e de seu(s) filho(s) para um estágio de pesquisa no exterior, sobretudo para as pesquisadoras-mães-solo. Sem isso, por que conferir centralidade a um estágio de pesquisa no exterior para obtenção de uma bolsa de pesquisa se a internacionalização da nossa produção científica pode ser avaliada por meio de publicações em periódicos internacionais e inserção remota em renomados grupos de pesquisas do exterior?

Entrada lateral da UFABC (Universidade Federal do ABC) - Karime Xavier/Folhapress

A pergunta não é retórica e diz respeito à segunda questão: por que transferir para nós o ônus da falta de recursos públicos e de critérios transparentes e específicos para o fomento da produção científica das pesquisadoras-mães, impondo-nos a violência de uma espécie de "escolha de Sofia" entre os nossos filhos/famílias e a carreira científica? Por que tentar transformar a opção da nossa maternidade em um problema, convenientemente usado para desqualificar a nossa produção, se o regime de dedicação exclusiva da nossa carreira diz respeito à esfera do nosso trabalho, não à nossa vida toda? Apesar da ausência de bolsas de pesquisa, nossos currículos Lattes demonstram que não há contradição entre ser mulher-mãe e professora-pesquisadora.

Mas há contradição na nota do CNPq sobre o conteúdo do parecer e o item do edital para a bolsa produtividade: "a concorrência será sensível às questões de gênero e maternidade". A pesquisadora não precisaria contar com a sensibilidade de um/uma parecerista se o CNPq fizesse aquilo que nos cobram com o pretexto da internacionalização: institucionalizar os critérios adotados pelas agências de fomento do exterior, conforme as diretrizes do Global Research Council (GRC), tais como a paridade para a concessão de bolsas de pesquisa, políticas de permanência e critérios de avaliação específicos para pesquisadoras-mães em todos os níveis da carreira acadêmica.

Sem isso não há internacionalização possível, senhores.

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