Menos artigos, mais sabedoria

Se a gente publicasse menos, talvez compreendesse mais

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Cristina Caldas

Bióloga e doutora em imunologia (USP), é diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira

O que acontece quando um cientista se concentra em escrever poucos artigos, porém de fôlego, no lugar de picotar seus achados em publicações dispersas? Algumas hipóteses: ele tem mais tempo para refletir sobre sua produção e a de seus pares. Pode, com calma, repetir o próprio experimento e solicitar aos colegas uma leitura crítica antes da publicação. Consegue, com isso, chegar mais próximo de formular um conhecimento novo e, assim, de produzir uma ciência de mais qualidade, aprofundada, única, colaborativa e reprodutível.

O edifício sede do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
O edifício-sede do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em Brasília - Divulgação/CNPq

Parafraseando Luiz Melodia em "Congênito", se a gente publicasse menos, talvez compreendesse mais.

Empolgante mesmo, para um cientista, é debater com colegas e alunos, tecer novas hipóteses e ousar nos experimentos. Esse ritual indagativo, contudo, está cada vez mais distante da realidade. A pressão por publicar e ser citado vem ocupando o centro da atividade científica. Está na origem da disputa por bolsas de produtividade, prêmios ou mais um degrau na carreira. Porém, nem todo cientista trabalha assim.

Dario Grattapaglia, pesquisador da Embrapa que figura ao lado de Johanna Döbereiner como um dos cientistas mais influentes do mundo, optou por não entrar na onda de publicar para fazer número: ele procura "escrever artigos que não o constranjam quando os ler mais tarde". Emprega seu tempo na produção de artigos que realmente valham a pena. Que tenham impacto real e causem reflexão.

Visitando universidades país afora, observo que o incentivo à publicação demasiada tem feito mal à carreira de jovens cientistas. Ao se adaptarem ao critério do excesso, eles acabam por praticar um outro tipo de ciência. Alcançam o pódio do número de artigos, mas não a ciência profunda da qual se orgulhariam mais.

As instituições de fomento premiam a quantidade. Luna Lomonaco, por exemplo, é uma matemática do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) que, num feito e tanto, emplacou um artigo na Inventiones Mathematicae, uma das revistas mais prestigiadas de sua área. Poucos meses após noticiar que ela havia sido a primeira mulher a receber o prêmio da Sociedade Brasileira de Matemática, o CNPq cortou sua bolsa de produtividade, segundo critérios já bem consolidados pela instituição: Lomonaco havia publicado "pouco" no período. Depois do corte, aliás, ela ainda publicou outro artigo naquele mesmo periódico.

Nos moldes atuais, tabelas de número de artigos tendem apenas a inchar currículos. O cientista que quiser se dedicar a escrever artigos de fôlego precisa ter tempo para tanto, sem ser penalizado. É hora de conceber novas políticas para mapear e consagrar o conhecimento novo. Um cientista deve ser reconhecido por seus feitos. Publicar menos pode revelar mais.

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