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Bruno Bimbi

Nascer gay no lugar errado

Sair do armário é confessar crime em países islâmicos

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Bruno Bimbi

Jornalista, escritor e ativista LGBT, é doutor em estudos da linguagem (PUC-Rio) e autor de “Casamento Igualitário” e “O Fim do Armário” (Garamond)

Nascer é a primeira loteria da vida. Nossa experiência no mundo não será a mesma, para dizer o óbvio, nascendo rico ou pobre. Mas imagine nascer ilegal. Pode isso?

Se você nascer gay no lugar errado, pode. No Irã, na Arábia Saudita, nos Emirados, no Qatar, no Iêmen e em regiões do Iraque e da Síria, você pode ser condenado à morte. Em Omã, Kuwait, Sudão, Líbia e algumas regiões do Líbano, não te matam, mas você é preso. Já na Jordânia, ser gay não é crime, mas expressões públicas de afeto, sim: "sigilo" é imperativo legal.

Reprodução de cena de videclipe de Bashar Murad, artista pop palestino - Reprodução/Bashar Murad no YouTube - @basharmuradofficial no Instagram

Outros países não falam da homossexualidade na lei, mas usam tipos penais abertos: "conduta imoral", "contranatura", "indecente". O Egito pune os "atos escandalosos" e submete gays a exames anais para comprovar o escândalo. Na Arábia Saudita, pela lei da sharia, o crime de gays e lésbicas é "manter relações sexuais fora do casamento". E, claro, não podem casar.

Mas também há leis com sexo explícito. No Código Penal iraniano, por exemplo, o sexo anal entre homens dá pena de morte, e a "esfregação do pênis entre as coxas", cem chibatadas. No Afeganistão, desde antes do Talibã, é crime "a penetração do órgão sexual masculino no ânus (...) independentemente da profundidade". No Sudão, também é crime "deixar outro homem inserir seu pênis, ou equivalente, em seu ânus".

Imagine a situação: na infância ou na adolescência, quando você descobre sua sexualidade, descobre também que é ilegal. Em quase todo o Oriente Médio, sair do armário é confessar um crime, e até teus pais podem chamar a polícia.

Nessa vizinhança difícil, cheia de ditaduras, onde as mulheres são cidadãs de segunda e a liberdade de expressão não existe, a Suprema Corte israelense decidiu recentemente, por unanimidade, que os casais do mesmo sexo podem adotar crianças. Israel é o único Estado democrático da região e, também, o único onde as pessoas LGBT vivem em liberdade e têm direitos.


E nos territórios palestinos? Na Cisjordânia, a Autoridade Nacional Palestina adota a lei jordaniana, que não proíbe a homossexualidade, mas LGBTs ainda são perseguidos. Em Gaza, sob a ditadura militar do Hamas desde 2007, a repressão é total. E quando eles querem matar um inimigo político, às vezes o acusam de ser gay. Assim executaram, em 2016, seu ex-comandante Mahmoud Ishtiwi.

Em reportagem recente ("Para palestinos LGBTQIA+, luta por direitos passa pelo fim da ocupação israelense", 10/12/23), esta Folha entrevistou palestinos LGBT. Um deles disse que ser queer na Palestina não é "tão ruim" como pensam no Ocidente —mas ele nasceu no sul de Israel e mora nos EUA. Todos os entrevistados podem falar livremente e ter seus nomes citados porque não estão lá.

É claro que, como diz um deles, os gays de Gaza têm hoje mais medo das bombas do que da homofobia —como em qualquer país em guerra! Mas não dá, por um viés político, fazer de conta que a homofobia nos países islâmicos é um problema menor, ou propaganda israelense, como é sugerido. Sejamos sinceros: é fácil ser "queer for Palestine" nos Estados Unidos. Difícil é ser gay em Gaza, Teerã ou Riad.

A guerra entre Israel e o Hamas um dia vai acabar e, quando a mídia estrangeira esquecer deles, os palestinos LGBT continuarão pagando o preço de ter nascido no local errado. Que a guerra de narrativas, que acompanha a das armas, não nos leve a ignorá-los.

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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