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Rafael Grohmann

Por políticas de economia digital solidária

Soluções para os trabalhadores de aplicativos vão muito além da regulação

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Rafael Grohmann

Professor de estudos críticos de plataformas da Universidade de Toronto (Canadá)

Lula está patinando nas propostas de regulação do trabalho por plataformas, desagradando esquerda e direita. Mas o que seu governo não vê é que soluções para essa questão não se resumem a regulações. É preciso construir alternativas à dependência das grandes plataformas, fundamentadas em desenvolvimento local, mirando políticas de soberania digital. O Brasil tem a faca e o queijo na mão para ser pioneiro mundial na construção dessas alternativas.

Em 2022, o presidente recebeu das mãos da cicloentregadora Bruna Sampaio um plano de ação para a construção de uma política nacional de economia digital solidária. A economia digital solidária é uma resposta fundamentada nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU a temas como plataformas, dados e inteligência artificial (IA). Tecnologias que são desenvolvidas e controladas por arranjos coletivos baseados em princípios de intercooperação, cuidado e governança democrática. Não é apenas sobre construção de aplicativos. É sobre tecnologias governadas por trabalhadores e comunidades, das mais diversas formas. No Canadá, por exemplo, IAs indígenas são parte da estratégia nacional de IA.

Motoboys durante manifestação em São Paulo - Zanone Fraissat - 14.jul.2020/Folhapress

É preciso desfazer alguns nós. Economia solidária não é assistencialismo nem tem posição periférica na economia de um país. São economias inclusivas rumo a comunidades sustentáveis. Uma perspectiva que redesenha os territórios repensa os modos como se relaciona com o meio ambiente, a alimentação e os espaços urbanos e rurais. Promove desenvolvimento econômico e social com diversidade e inclusão. Por essas e outras, economia solidária não deve ser apenas uma política setorial no interior de um ministério, mas uma política interministerial.

A economia digital solidária é focada nas necessidades das comunidades. Não é tecnologia tentando solucionar problemas sociais, nem cada cidade com seu próprio aplicativo. Além disso, não se resume a setores de transporte de passageiros e mercadorias. O foco desse modelo sempre é o território, e apresenta um especial potencial para o desenvolvimento de pequenas cidades —que são a maioria no Brasil. Em vez de unicórnios, o foco é construir constelações. Arranjos locais federados com infraestruturas digitais compartilhadas. Isso aconteceu com a federação de cooperativas de entregadores na Europa e com sua versão latino-americana —que não é uma simples versão, é uma "reterritorialização". A economia digital solidária recodifica as tecnologias a partir dos territórios.

No Brasil, há diversas iniciativas em andamento, como Senoritas Courier, Núcleo de Tecnologia do MTST, Liga Coop, MoradaCar e E-COO —este um projeto pioneiro na agricultura familiar. Mas, com raras exceções, as organizações de economia digital solidária não têm recebido o devido apoio do poder público. O que pode ser feito? Programas de incubação e aceleração, editais de ciência e tecnologia, espaços e materiais de formação, linhas de crédito, provisão de infraestruturas digitais públicas —ainda mais agora que o DataPrev tem se colocado como empresa pública que constrói infraestruturas para programas sociais estratégicos. Com vontade política, tudo poderia ser realizado, inclusive com parcerias entre gestões municipais, estaduais e o governo federal. Os formuladores de políticas podem se inspirar no exemplo da da cidade de Barcelona, MatchImpulsa.

O Brasil foi pioneiro e referência mundial em políticas públicas de economia solidária e tecnologias livres nos anos 2000. Mas os formuladores dessas duas áreas não conversam. É preciso ligar os pontos. Quem é responsável por políticas digitais também deve se envolver. Esse é um pressuposto para a soberania digital. E os municípios também podem dar o exemplo. Há uma série de programas municipais focados em cooperativismo, como o SP Coopera, na capital paulista, que poderiam ser reformulados para abraçar ao mesmo tempo a verdadeira inovação —a busca por um desenvolvimento social e econômico inclusivo— e a construção de tecnologias que sirvam as comunidades.

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