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Georges Abboud

O STF é mesmo um bazar de direitos?

Conciliação faz com que corte cumpra melhor suas funções contemporâneas

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Georges Abboud

Advogado, é professor da PUC-SP e do IDP

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal foi alvo de crítica nesta Folha ("O grande bazar de direitos", 12/7) pelo prestigiado Oscar Vilhena, que olhou com desconfiança e catastrofismo a possibilidade de o tribunal abrir espaços de conciliação porque, supostamente, tal prática a transformaria num bazar de direitos, em vez de uma corte protetora de direitos fundamentais.

A crítica tem mais futurologia do que embasamento e falha ao considerar como causa (de fragilização futura de direitos) aquilo que é mero efeito de novas circunstâncias. O STF não se tornou um conciliador porque do dia para a noite resolveu inaugurar um "bazar".

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do Supremo, Luís Roberto Barrroso, durante sessão solene em comemoração dos 35 anos da promulgação da Constituição brasileira - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Desde 2018, defendo a conciliação ampla no Supremo. À época, a tese foi recebida com críticas e alarmismos, muito semelhantes aos do articulista. A razão pela qual defendi e defendo acordos no tribunal está diretamente relacionada à complexidade crescente dos conflitos que são sociologicamente complexos ou que envolvem crescente judicialização de temas tecnológicos, impondo ao STF a criação de soluções dialogadas com a sociedade civil e com os demais Poderes.

A conciliação apresenta vantagens por ser mais rápida, mais plural e complexa. Outrossim, por ser consensual, o acordo não divide a sociedade entre vencedores e vencidos, dado que todos os lados são parcialmente atendidos.

Sem ter havido nenhum apocalipse constitucional, atualmente os acordos no STF já são uma realidade e existem diversos exemplos de sucesso. A ADPF 568, que, por meio de acordo, destinou valores bilionários a ações de combate à pandemia de Covid-19 para alguns estados. O acordo que permitiu a gestão integrada do arquipélago de Fernando de Noronha, pondo fim a longo litígio entre a União e o estado do Pernambuco na ACO 3.658. O acordo do ICMS na Adin 7.191, que encerrou conflito federativo brasileiro entre União e estados para compensar as perdas de ICMS dos combustíveis. Por fim, a ADO 25, no qual a União, os estados e o DF firmaram acordo concernente aos repasses previstos pela chamada Lei Kandir, encerrando de forma harmônica um conflito federativo que durava décadas.

No mesmo contexto, está a conciliação acerca da demarcação de terras indígenas. O acordo não se destina a reverter a inconstitucionalidade do marco temporal. Contudo, há lei nova com diversos pontos que precisam ser enfrentados, por exemplo, regulação de como se faz a prova para a demonstração do que são as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros, bem como a regulação de atividades econômicas em terras indígenas em proveito dos próprios povos originários.

É pueril imaginar que haveria pacificação se o Supremo apenas declarasse inconstitucional a nova lei. Desde a promulgação da Constituição, infelizmente, Executivo e Legislativo têm sido omissos no cuidado com os povos originários. Diante dessa falha, sempre coube ao tribunal tal proteção, seja assegurando a demarcação de terras no caso "Raposa Serra do Sol", seja durante a pandemia de Covid-19.


Justin Collings, analisando a história da Corte Constitucional Alemã, anotou que uma das críticas mais recentes ao tribunal diz respeito ao uso reiterado de princípios para revisar legislações "incongruentes". Ocorre que legislações são frequentemente incongruentes por uma boa razão; afinal, são frutos de compromissos políticos. Por essa razão, entendo que a abertura de espaços de negociação no STF é uma condição de possibilidade da própria manutenção da vitalidade da democracia liberal, de modo a preservar uma relação dialógica e menos conflituosa entre Poderes.

Tenho convicção de que a realização de conciliação no Supremo não enfraquece direitos fundamentais. Pelo contrário, o STF cumpre melhor suas funções contemporâneas ao "orientar a política cotidiana por princípios duradouros", fazendo com que políticos consigam ver para além das próximas eleições. Tratar como bazar o que o STF tem feito na proteção das minorias é, com todo respeito, negligenciar a complexidade do que a instituição precisa lidar e involuntariamente pode se converter em linha auxiliar do extremismo que busca a todo momento atingi-la.

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