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Tom Goodhead

Mineradoras tentam prejudicar ação judicial do caso Mariana na Inglaterra

Lawfare afeta reparação a vítimas do maior crime ambiental do Brasil

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Tom Goodhead

CEO e sócio-administrador do escritório global Pogust Goodhead

Derivado de "law" ("lei") e "warfare" ("guerra"), o termo "lawfare" refere-se ao uso abusivo de processos judiciais para frustrar ou atrasar a justiça e para intimidar ou silenciar adversários. No Brasil, há hoje uma clara demonstração de lawfare conduzida por grandes mineradoras em reação ao caso Mariana na corte inglesa.

Em outubro, terá início o julgamento de responsabilidade da BHP Billiton (dona da Samarco, juntamente com a Vale) na Corte Superior da Inglaterra. Mais de 640 mil vítimas —incluindo quilombolas, indígenas, municípios, empresas e instituições religiosas— buscam reparação pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), no que é considerada a maior ação da corte inglesa. A menos de cem dias de se sentar no banco dos réus e poder, pela primeira vez, ser responsabilizada pelo colapso que deixou 19 pessoas mortas, lawfare se tornou o último recurso da mineradora.

Bento Rodrigues, em Mariana (MG), após rompimento de barragem em novembro de 2015 - Douglas Magno/AFP - Douglas Magno/AFP

O desespero é crescente. Desde o início da nossa ação, a BHP tem criado obstáculos às vítimas do maior crime ambiental do Brasil. Passou quatro anos apenas contestando a jurisdição na corte inglesa, que foi garantida em 2022, quando a Corte de Apelações unanimemente entendeu que não havia duplicação de processos entre Brasil e Inglaterra e que a remediação oferecida pelas mineradoras no Brasil não era "obviamente adequada". O caso foi levado à Inglaterra porque a BHP era uma empresa anglo-australiana quando a catástrofe ocorreu. A BHP chamou a Vale ao processo no final de 2022, mas, recentemente, entrou em acordo para retirá-la da ação sob a condição de a Vale arcar com 50% das indenizações em caso de vitória das vítimas.

Sem mais alternativas protelatórias na Inglaterra, recentemente o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) —representante de gigantes como BHP, Vale e Samarco— ajuizou intempestivamente uma ação no Supremo Tribunal Federal para tentar prejudicar os mais de 50 municípios que litigam na Inglaterra e na Holanda pelo crime de Mariana. O real interesse por trás, porém, logo ficou claro quando a ata de uma reunião do Conselho Diretor do Ibram revelou que a própria BHP foi quem solicitou a ação ao instituto.

Tentam criar impasse entre os tribunais brasileiro e inglês e distorcem noções de soberania em favor de interesses corporativos estrangeiros —neste caso, de uma gigante australiana. Em entrevista recente, o presidente do Ibram, Raul Jungmann, chegou ao disparate de acusar o meu escritório de ser parte de uma "indústria da tragédia". Ora, se Jungmann quer mesmo falar em indústria da tragédia, por que não dar nome a quem matou 272 pessoas em Brumadinho (MG), 20 em Mariana (se contar o bebê de uma gestante), liberou 50 milhões de metros cúbicos de lama tóxica na natureza, matou o rio Doce e perpetuou a miséria das vítimas por nove anos? O lawfare ataca os jogadores, não a bola.

Por trás da pretensa proteção à soberania nacional, está a tentativa de fazer um acordo mais barato: enquanto a ação inglesa pleiteia ao menos (sem juros ou inflação) R$ 30,7 bilhões para os municípios afetados, a repactuação negociada no Brasil, segundo interlocutores, não deve passar de R$ 9,2 bilhões pagos em 20 anos. Lembrando que o valor de mercado da BHP é superior a R$ 810 bilhões.

A estratégia vai além. No início do mês, a BHP tentou sem sucesso excluir 33 mil vítimas da ação inglesa, numa investida que custou a ela cerca de US$ 1 milhão em despesas processuais —que poderiam ter sido encaminhadas para as vítimas.

Não por acaso, também entrou na mira o financiamento de litígio —único instrumento que torna possível Davi vencer Golias. A modalidade custeia ações extremamente caras e permite pessoas comuns processarem empresas poderosas. A propósito, os atrasos no processo estão custando diariamente milhões de libras em juros aos acionistas, além de provocarem enormes danos reputacionais.
Os meus clientes do caso Mariana, porém, não se deixam abater. Ao contrário, nunca estiveram tão confiantes em levar as maiores mineradoras do mundo a julgamento até conseguirem, enfim, a compensação financeira e a dignidade que lhes foi negada até o momento.

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