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Carlos Marun

Palmas para um derrotado

Recebido com protestos nos EUA, Netanyahu mostra que está cada vez mais isolado

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Carlos Marun

Advogado e engenheiro, foi ministro-chefe da Secretaria de Governo (2017–19, governo Temer)

No último dia 24 de julho, a democracia norte-americana viveu mais um dia triste, coisa que tem, infelizmente, se tornado comum por lá. Quase a totalidade dos congressistas republicanos e boa parte dos democratas receberam sob aplausos Binyamin Netanyahu, que pela sexta vez discursou no Capitólio, um símbolo da democracia universal —onde um facínora como este primeiro-ministro de Israel nem sequer deveria ser autorizado a pisar.

Netanyahu chegou ao poder depois do assassinato por um correligionário seu, com um tiro pelas costas, de Yitzhak Rabin, um líder forjado na guerra e que teve coragem de buscar a paz. Convenceu o eleitorado israelense de que ele não precisava de paz, mas de segurança. Recebeu uma procuração deste eleitorado para acabar com o processo de paz. E o fez, também com um tiro pelas costas. Continuou escravizando os palestinos e fortalecendo militarmente Israel, sempre com o apoio incondicional dos Estados Unidos.

A polícia legislativa do Congresso americano impede o avanço de manifestantes pró-Palestina em Washington, capital dos EUA - Umit Bektas - 24.jul.24/Reuters - REUTERS

Tudo parecia estar correndo bem. É verdade que Netanyahu, para continuar no poder e longe da cadeia, teve que se unir ao que de mais radical e fanático existe na política israelense, mas os líderes da maioria dos Estados árabes, contaminados pelo vírus da indignidade, já caminhavam para iniciar negócios com Israel através de acordos de paz que se constituíam em tratados comerciais e que esqueciam os palestinos.

Até que chegou o 7 de outubro. Infelizmente, no lugar de limitar sua ação aos ataques a bases militares de Israel inicialmente praticados, o Hamas permitiu que se instalasse a barbárie de um imenso atentado terrorista. Isso naturalmente aproximou de Israel a solidariedade do mundo. E o contra-ataque foi, de início, imensamente apoiado. Joe Biden foi até lá abraçar Bibi, encostou em Gaza um imenso porta-aviões e autorizou Netanyahu a lá buscar o armamento que quisesse a fim de destruir o Hamas. O conflito acabaria em alguns dias, pensaram muitos. Afinal, em 1967, foram necessários somente seis dias para que Israel derrotasse vários exércitos árabes de uma vez só.

Mas daí as coisas começaram a fugir do script. Netanyahu não queria só aniquilar o Hamas. Queria aniquilar Gaza. O alvo preferencial passou a ser a infraestrutura do enclave. Seus prédios, escolas, hospitais, igrejas… Suas crianças. Um genocídio começou a ser executado e, desta vez, televisionado. O mundo começou a se horrorizar com o que assistia. O apoio à barbárie praticado pelas Forças Armadas de Israel, sob o comando de Netanyahu e de seu governo composto por assassinos fanáticos, começou a minguar. E a se transformar em um pesado fardo para os que mantinham essa posição.

E os combates? Ali o fiasco está sendo pior. Em mais de nove meses de luta, já são 688 os militares israelenses reconhecidamente mortos e mais de 10 mil os feridos —tudo isto no enfrentamento a um grupo de milicianos famintos e mal armados. E não passaram de sete os reféns vivos libertados. As Forças de Israel só têm sido eficientes nos bombardeios aéreos, isto porque não existem armas antiaéreas em Gaza e porque o chão é impossível de errar. E, no chão do "gueto" mais densamente povoado do mundo, as bombas não têm dificuldade para acertar as cabeças de civis, sejam eles homens, mulheres ou crianças, que se protegem sob lonas de barracas.

Este novo cenário militar tem animado outros grupos a participarem do conflito em apoio aos palestinos, aí se destacando o Hezbollah, que há anos já acabou com a ocupação militar do sul do Líbano, e os houthis, que do distante Iêmen têm sido hoje a novidade e que já conseguiram atingir até Tel-Aviv.

Biden, acossado por movimentos internos de repúdio a um genocídio praticado com o uso de munição americana, teve que passar a rever sua posição. Chegou a aprovar na ONU um razoável plano de cessar-fogo, mas tem recebido em troca a costumeiramente ingrata e arrogante resposta negativa de Bibi.

É este o Netanyahu que viajou a Washington. Humilhado e isolado. Foi pedir mais munição, em um reconhecimento de que sozinho não pode vencer o Hamas. No lugar disso foi recebido com protestos e apelos por um cessar-fogo, tanto de Biden como de ambos os candidatos à eleição presidencial. Recebeu também aplausos de muitos congressistas, é verdade, e penso que Netanyahu visitou o único lugar do mundo onde hoje pode ser aplaudido. Em Israel não pode sequer sair às ruas.

Porém, eis que, quando isso parece se constituir em mais um episódio do triste "fim de carreira" da democracia americana, surge o pronunciamento de Kamala Harris imediatamente após seu encontro com Bibi e renova as nossas esperanças. De forma altiva, ela hipotecou apoio irrestrito à existência de Israel, mas repudiou a forma da vingança de Netanyahu e reafirmou apoio a instalação do Estado da Palestina.

Ou seja, a única coisa aproveitável dessa desastrada visita é que aqueles viciados em otimismo como eu passamos a ter para quem torcer naquela eleição.

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